É em Angra dos Reis, na Costa Verde do Estado do Rio, que ficam as duas usinas nucleares do Brasil. A instalação chama a atenção pelas enormes cúpulas que protegem os reatores e contrasta com o cenário paradisíaco procurado por turistas.
A construção à beira-mar favorece a captação de água usada no resfriamento das termonucleares. Já a localização é considerada privilegiada pela proximidade com os principais centros consumidores de energia elétrica, Rio e São Paulo.
Conectadas ao Sistema Nacional Interligado, Angra 1 e Angra 2 produzem juntas aproximadamente 3% da demanda energética do país. Uma terceira está em construção há quatro décadas, mas o investimento bilionário para conclusão das obras, praticamente paralisadas há dez anos, divide opiniões.
Em visita guiada pela Eletronuclear, o R7 acessou áreas restritas da Central Nuclear, esteve no canteiro de obras de Angra 3 e entrou na sala de controle de Angra 1.
Com uma infinidade de botões e ares de cenário de filme de ficção científica, a sala de controle é o “cérebro da usina”, que tem ligação direta com o “coração”, o reator.
“A sala tem total controle sobre o que está acontecendo no reator e total ação sobre ele”, explicou Abelardo Vieira, superintendente da termonuclear.
Usinas nucleares: como funcionam?
Em uma resposta simples, a produção de energia ocorre a partir da quebra de átomos de urânio. O processo chamado de fissão nuclear acontece dentro do reator e resulta em altas temperaturas que aquecem um sistema de água. O líquido se torna vapor e faz girar as turbinas para gerar eletricidade.
No Observatório Nuclear, que fica aberto ao público às margens da antiga rodovia Rio-Santos, é possível ter uma demonstração do funcionamento das usinas de Angra.
Os visitantes podem ver uma réplica das varetas que ficam dentro do reator com as pastilhas de combustível nuclear de urânio enriquecido.
Um detalhe interessante é sobre a estrutura da cúpula que protege o reator nuclear.
Ela possui sete camadas, incluindo aço e concreto, sendo capaz de isolar tanto o material radioativo — em trabalho para gerar energia — como também impedir ameaças externas.
As “abóbadas” foram projetadas para suportar grandes impactos como a queda de uma aeronave.
VOCÊ SABIA? A praia do Laboratório, em Angra dos Reis, é conhecida pelo mar calmo e quente. O aquecimento do oceano naquela região é provocado pelo despejo das águas utilizadas no resfriamento da usina. Elas não entram em contato com a radioatividade e são constantemente monitoradas pela equipe ambiental da Eletronuclear
Tragédias nucleares
Diante de tragédias recentes, como a da usina de Fukushima, após um tsunami em 2011, e de casos emblemáticos, vide Chernobyl, em 1986 — a cidade ucraniana segue desabitada até hoje —, o risco de vazamento nuclear sempre levanta preocupações.
Funcionário da Assessoria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Expansão de Geração da Eletronuclear, Richard Shouler minimiza essa possibilidade. Segundo ele, “a tecnologia evoluiu muito nas últimas décadas” e, hoje, o risco de se trabalhar com fissão nuclear é muito menor do que no passado. “Mas não é desprezado em momento nenhum”, lembra.
Shouler, que já trabalhou na Agência Internacional de Energia Atômica, ressalta que as usinas de Angra são fiscalizadas e recebem visitas de órgãos internacionais.
“A gente é membro da Associação Mundial de Operadores Nucleares, que é uma associação da indústria. Ela tem a função de fiscalizar a operação e tentar melhorar o desempenho nas usinas no mundo inteiro”, afirma.
Como resultado de Fukushima, todas as operadoras e donas de usinas nucleares foram obrigadas a reavaliar suas condições de projeto. Aqui, não temos riscos de um tsunami do tamanho do que ocorreu no Japão. Nossa área não é sujeita a grandes tremores. Mas, às vezes, estamos sujeitos a deslizamentos de encostas. Então, tivemos que reavaliar o que aconteceu visando ao nosso próprio ambiente da instalação
Potência das usinas de Angra
Angra 1 é a mais antiga usina nuclear do país, com 40 anos de atuação e autorização para operar por mais duas décadas. Ela produz 640 megawatts, enquanto Angra 2 chega a 1.350 megawatts.
O lançamento de Angra 3 prevê um aumento em quase 1.4 megawatts de potência, com um total de geração de 3.5 megawatts.
Em uma rápida comparação, isso significa dizer que, atualmente, as duas usinas nucleares produzem cerca de 40% da energia elétrica consumida no estado do Rio. Com a terceira, o número subiria para 70%.
O impasse de Angra 3
Projetada na década de 1980, a construção da usina Angra 3 já custou ao menos R$ 12 bilhões . De acordo com autuais gestores (o empreendimento foi privatizado em 2022), ela está 65% concluída.
Na visita do R7 ao canteiro de obras, em janeiro deste ano, foi possível ver que está pela metade a montagem da estrutura esférica de metal que deveria abrigar o reator de Angra 3.
Cerca de 12 mil equipamentos comprados para Angra 3 estão acondicionados em galpões. Questionado sobre a possibilidade de o maquinário estar ultrapassado, Calixto explicou que os equipamentos mecânicos mudaram muito pouco de lá para cá. Inclusive, citou que são os mesmos usados em Angra 1 e 2.
No entanto, o superintendente destacou que toda parte eletrônica da usina deverá receber o que há de mais moderno. “Na parte de instrumentação, Angra 3 vai ter o melhor. A sala de controle é toda digital”, destacou.
A decisão da retomada das obras de Angra, que foi adiada pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) nos últimos meses, tem o apoio do Ministério de Minas e Energia.
Segundo um cálculo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o investimento para conclusão ou desistência do empreendimento seria praticamente o mesmo — R$ 23 bilhões para finalizar o projeto e R$ 21 bilhões para desmobilização.
No entanto, a Eletronuclear prevê a necessidade de um novo estudo técnico, econômico e jurídico para reavaliar a viabilidade do projeto. Isso porque um recente acordo entre o governo federal e a Eletrobras desobrigou a companhia de fazer mais investimentos em Angra 3.
O Brasil precisa de energia nuclear?
As termonucleares são apresentadas como vantajosas pela geração de energia constante e livre de gases causadores de efeito estufa.
Por outro lado, são entraves o alto custo de produção e a preocupação com o meio ambiente, já que eventuais acidentes têm potencial catastrófico.
O presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo Leite, que tem a missão de tirar Angra 3 do papel, defende a segurança da operação e a importância da energia nuclear para tornar o sistema elétrico do Brasil mais robusto.
“Somos um dos três países com reserva de urânio, temos know how de todo o ciclo do combustível e ainda produzimos energia elétrica nuclear”, destaca.
Para ele, o país “não pode ficar fora da janela de oportunidades”. E cita o movimento de retomada de investimentos por parte de outros países, como Reino Unido e Itália, e até o interesse de big techs na tecnologia.
Energia nuclear para big techs
O presidente da Eletronuclear lembra que a Three Mile Island — usina que sofreu um colapso em um dos seus reatores em 1979 — está em processo de modernização para vender energia exclusivamente para a Microsoft a partir de 2028.
Lycurgo ressalta que gigantes da tecnologia, como Google, Oracle e Amazon, apostam em novos modelos de reatores para atender à alta demanda por energia.
Falar de datacenter, inteligência artificial, biotecnologia, computação quântica, nanotecnologia, robótica… Tudo isso vai demandar o quê? Energia, energia, energia. Por isso, essa corrida dos países e das empresas para obter energia de base firme e limpa. Inclusive, costumo dizer: ‘O tiro de largada já foi dado’
Para o professor-titular do Programa de Planejamento Energético do Coppe/ UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Emílio La Rovere, contudo, há no país alternativas mais baratas e de fontes renováveis, como a solar e a eólica.
“Outra energia que pode ajudar suplementar a contribuição de energia solar e eólica é a termelétrica a gás natural, funcionando com capacidade de reserva. Ou seja, são usinas que só são chamadas a gerar energia elétrica para rede quando houver necessidade. Então, a emissão de gases de efeito estufa seria muito pequena”, explica.
La Rovere reconhece, por outro lado, que aplicações tecnológicas da energia nuclear podem ser importantes do ponto de vista estratégico.
“Existem muitas possibilidades para melhoria da segurança das nossas instalações que justificam o trabalho desses especialistas que o Brasil formou de alta qualidade”, diz.