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Estúdio|Bianca de Mattos, Clara Verdous, Diogo de Castro, Luís Henrique Costa, Pedro de Moura, Sophia Maripensa, Sophia Prates, Vinícius Bastos, da ESPM

Na década de 1970, uma empresária de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, ganhou um terreno de 1.800 metros quadrados no centro da cidade e construiu a casa dos sonhos para viver ali pelo resto da vida. Ela não quis se identificar — por isso, vamos chamá-la de Maria.

A casa ficou exatamente como ela queria: adega, sauna, piscina, churrasqueira, horta e casa de hóspedes. Mas o sonho durou apenas seis anos.


No terceiro ano morando ali, o terreno vizinho foi comprado por uma construtora, que deu início à construção de um prédio. A partir daí, os problemas só aumentaram: o muro de sete metros caiu, o canil desabou, houve vazamento no cano de gás, árvores e a horta morreram, e a casa dos sogros, que também viviam no terreno, apresentou rachaduras do tamanho de uma mão. O problema só foi contido quando Maria descobriu que o recuo da construção estava incorreto.

“Botei uma escada nos fundos da minha casa, que dava para o prédio, levei medidor, medi e realmente não tinha o recuo suficiente. Aí meu marido já ligou imediatamente para o advogado e, no dia seguinte, ele já foi à prefeitura.”


Com isso, conseguiram embargar a obra.

A casa foi vendida em 1977 para uma construtora, e Maria recebeu apartamentos como parte do pagamento. Hoje ela vive em um deles — mas ainda sente tristeza por ter deixado sua antiga casa.


“Nós temos uma filha que, na época, era adolescente, e a casa vivia cheia de amigos dela, de amigos nossos [...]. A casa foi feita para a gente morar para sempre, né? [...] Na nossa ideia, era para termos permanecido na casa.”

O caso de Maria é um exemplo de como a verticalização afeta a vida das pessoas. Esse é o processo de crescimento da cidade para cima, com o aumento na altura e na quantidade de edifícios e apartamentos. Para se ter uma ideia, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2022 mais de 84% dos brasileiros viviam em áreas urbanas — o que pressiona o uso do solo e impulsiona a verticalização, além de causar outros problemas urbanos, como gentrificação, poluição, redução de áreas verdes e aumento da desigualdade social.

Infográfio: Moradores em apartamentos no Brasil Arte R7

Professora emérita da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie e ex-presidente do CAU-BR (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil), a arquiteta Nadia Somekh afirma que o processo histórico de verticalização no Brasil variou entre as capitais. A altura dos prédios passou a ser um símbolo de status e poder econômico: “Eu defini a verticalização como a possibilidade de reproduzir o solo urbano por meio do elevador.”

Nova York começou a estourar prédios altíssimos e, logo depois, no Rio de Janeiro começa a verticalização residencial — mas não tão alta quanto nos Estados Unidos. Já em São Paulo, que era mais industrializada naquele momento, começa a ter uma perspectiva de marcar o capital, o recurso, o poder na cidade.

arquiteta Nadia Somekh

Mas quais são as cidades mais verticalizadas do Brasil?

Segundo o IBGE, a líder é Santos (SP), com 63,45% das moradias em unidades de apartamentos. Em seguida vêm Balneário Camboriú (SC), com 57,22%, e São Caetano do Sul (SP), com 50,77%. Curiosamente, São Paulo aparece apenas na 22ª colocação — apesar da grande quantidade de edifícios, a maioria da população ainda vive em casas.

Como nasce a verticalização?

A verticalização é resultado de uma combinação de fatores típicos de grandes cidades. Um deles é o adensamento populacional. Quando não há mais espaço para expansão horizontal, fenômeno conhecido como conurbação, a cidade começa a crescer para cima. Isso tende a ocorrer em municípios com mais de 1 milhão de habitantes, segundo a pesquisa Trinta anos de expansão vertical e horizontal em cidades brasileiras, da WRI Brasil.

Para Angelo Filardo, professor da FAU-USP e pesquisador em adensamento populacional, a verticalização segue a lógica da lucratividade do mercado imobiliário:

“Existem diferentes negócios imobiliários que podem ser feitos. O mais lucrativo de todos é comprar um alqueire de terra e vender em metro quadrado. Espalhar é o primeiro e mais lucrativo negócio das cidades. Então a cidade começa a crescer para cima quando ela não tem mais para onde crescer para os lados.”

Além do adensamento, a especulação imobiliária também impulsiona a verticalização. Trata-se da compra de terrenos ou imóveis em áreas com potencial de valorização, o que eleva os preços e gera imóveis ociosos.

Ciro Pirondi, arquiteto e fundador da Escola da Cidade, compara o especulador a um “lobo voraz”: “Ele compra um terreninho, faz um prédio, sem se importar com nada. Não se importa com o vizinho, com o sol, com o vento, com nada. Quer usar cada metro quadrado, cada centímetro do terreno.”

Esse comportamento impacta a expansão construtiva e populacional. A mesma pesquisa da WRI Brasil (1993-2020) mostra que, em algumas capitais, constrói-se mais do que a população cresce. Belo Horizonte, Natal, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo construíram mais do que o crescimento populacional.

Para Nadia Somekh, essa discrepância se explica pelos interesses dos especuladores: “O mercado imobiliário visa o lucro e busca gerar mais dinheiro para os investidores.”

Infográfico: Cidades em forte expansão vertical Arte R7

Uma pesquisa da consultoria Brain, realizada com 1.200 pessoas que compraram imóveis entre agosto de 2021 e agosto de 2022, revelou que 15% optaram por terrenos ou casas em condomínios fechados. O medo da violência em residências comuns influencia diretamente na decisão de mudar para apartamentos.

Nas periferias, a verticalização também ocorre, mas com causas e consequências diferentes.

A família cresce e faz um puxadinho. Não tem mais para onde expandir para os lados, então constrói-se para cima. Inclusive, há venda de lajes para aluguel e geração de renda extra.

Angelo Filardo, pesquisador em adensamento populacional

Verticalização na comunidade Sobrados e prédios na Comunidade na Vila São Pedro, em São Bernardo do Campo Sophia de Marque Maripensa

A desigualdade social nas cidades brasileiras é evidente e a verticalização contribui para aprofundar esse abismo. Para Nadia Somekh, o principal responsável é o Estado: “O Estado produz o espaço por meio dos investimentos, mas sempre melhora a vida das populações mais abastadas. O Estado representa os interesses mais dominantes da cidade.”

Leis e políticas públicas empurram as pessoas de baixa renda para longe dos centros urbanos, justamente onde se concentram os empregos. Em São Paulo, esse processo começou no século XX, com a proibição de cortiços na região da Líbero Badaró. Essas medidas elevam o preço dos imóveis nas áreas centrais, provocando um processo chamado gentrificação — a expulsão dos antigos moradores, substituídos por pessoas com maior poder aquisitivo.

Uma tentativa frustrada de combater a gentrificação foi a adoção de incentivos, no Plano Diretor de 2014 de São Paulo, para a construção de apartamentos menores. “O plano achava que os pequenos apartamentos seriam para os pobres. Mas o que aconteceu foi a elitização dos microapartamentos”, afirma Somekh.

Um exemplo é Andrés Watanabe Cabo, de 19 anos, natural de Valinhos (SP), que se mudou para a capital para estudar. Hoje vive em um apartamento de 18 metros quadrados — o equivalente a uma vaga e meia de carro:

“Vir para um apartamento menor significa ter menos espaço. Você convive num lugar só, não se movimenta muito. Acho até que há uma tendência mais depressiva de ficar sempre no mesmo quarto, trancado”, diz.

Outro paradoxo das grandes cidades é o esvaziamento de prédios no centro. Segundo Ciro Pirondi: “Só entre a Praça da Sé e a Santa Cecília tem 26 prédios vazios.”

Esse fenômeno é conhecido como Cidade Oca.

Há também um debate sobre a poluição sonora, visual e ambiental provocada pela verticalização. Embora construir para cima possa ser, em teoria, menos agressivo ao meio ambiente do que a expansão horizontal, a realidade é diferente.

“Existe um processo de demolição, de reconstrução. O espaço que era aberto, onde se enxergava o céu, passou a ser ocupado por um prédio. É uma perda ambiental sutil, que afeta os moradores”, afirma Angelo Filardo.

Verticalizar uma cidade pode ser saudável, desde que seja feito de forma planejada. O problema está em como esse processo vem sendo conduzido: sem diálogo com quem vive na cidade. “Cada lugar da cidade precisa ser desenhado conjuntamente por administradores, sociólogos, arquitetos, urbanistas e paisagistas — todos juntos”, afirma Ciro Pirondi.

Afinal, a cidade deve ser pensada para quem vai viver nela.

  • Diretora de Conteúdo Digital e Transmídia: Bia Cioffi
  • Coordenadora de Produções Originais: Renata Garofano
  • Coordenadora de Redes Sociais: Maira Pracidelli
  • Coordenador Transmídia de Redes Sociais: Bruno Oliveira
  • Reportagem: Bianca de Mattos, Clara Verdous, Diogo de Castro, Luís Henrique Costa, Pedro de Moura, Sophia Maripensa, Sophia Prates, Vinícius Bastos
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