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Notícias|Clarissa Lemgruber, do R7, em Brasília

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No extremo sul do Atlântico, as remotas Ilhas Malvinas — ou Falkland Islands, como preferem os cerca de 3.600 moradores — ainda mantêm ares do passado quando o assunto é internet. Pacotes de dados custam a partir de 150 libras por mês (cerca de R$ 1.000) e podem chegar a 300 libras para velocidades maiores. Para turistas, o acesso é restrito e cobrado por hora — de 5 a 8 libras. Mesmo assim, a conexão é lenta e instável.

Mais de quatro décadas depois do fim da guerra, em junho de 1982, o arquipélago preserva não só a memória do conflito, mas também uma rotina que parece resistir à pressa do século 21.


A sensação é de que o tempo caminha mais devagar em Stanley, capital onde vivem cerca de 2.500 pessoas. Em um mundo cada vez mais atravessado por telas, algoritmos e impulsos digitais, as Malvinas oferecem algo raro: o silêncio das notificações. A vida offline não é apenas uma escolha — muitas vezes, é a única opção.

A filipina Adeline Chumacera, de 24 anos, trabalha em uma das principais redes de hotéis de Stanley. Para manter contato com a família, precisou contratar um dos poucos — e caros — planos de internet.


“A internet aqui é péssima. Comprei esse plano só para conseguir falar com minha família. A conexão é gratuita só de 0h às 6h, mas nesse horário não consigo usar. Então, continua sendo um problema”, conta.

A realidade é sentida também por visitantes frequentes. O argentino Graham Harris, turista habitual das Falklands, diz ser encantado com as paisagens, mas frustrado com a falta de conectividade. “É como estar em um mundo à parte. A beleza compensa, mas, para quem precisa de internet, é um teste de paciência.”


Segundo o deputado Peter Biggs, que vive em Stanley, a falta de conectividade é um dos maiores desafios para quem mora na ilha. “Não se trata apenas de lazer. A internet é essencial para negócios, educação e comunicação com o resto do mundo. Quando ela não funciona bem, tudo fica mais difícil”, afirma.

Infância analógica

Kate Williamson, inglesa que vive nas Falklands desde os 3 anos, é mãe-solo de gêmeas de 12 anos. Por não conseguir oferecer internet suficiente em casa, as filhas precisam alternar semanas na casa da avó, que possui um Starlink — tecnologia que avança aos poucos no arquipélago.

“Apesar de eu ter filhas gêmeas, raramente posso ter as duas em casa. Eu vivo com apenas uma filha por vez, por causa da internet”, diz.

Kate, no entanto, se orgulha da infância analógica que conseguiu garantir. “Elas cresceram com animais, no quintal, sendo crianças. Só foram ter celular com 9 ou 10 anos. Agora usam TikTok e Snapchat, mas minha preocupação é com o dia em que forem para a universidade no Reino Unido. Elas não vão saber os perigos das redes. Aqui, vivemos em uma bolha. É protegido, mas, quando você sai... O mundo parece enorme e assustador.”

Para ela, essa proteção é uma faca de dois gumes: garante segurança, mas pode deixar as jovens vulneráveis quando forem expostas a um ambiente digital sem filtros.

A jovem sul-africana Violet Sitholé, de 19 anos, é um exemplo dessa dualidade. Vinda de Joanesburgo, na África do Sul, em 2020, quando o pai foi trabalhar nas Falklands, ela nunca se adaptou à vida em Stanley. Vai estudar em Londres a partir deste ano, com bolsa integral bancada pelo governo local, e não planeja voltar.

“É uma cidade muito pequena. E é difícil estar tão longe e não conseguir se comunicar com as amigas. A internet ruim me isolou ainda mais”, desabafa.

Mas nem tudo é queixa. Apesar de querer ir embora, Violet reconhece um valor raro na vida com menos conexão.

“Se eu tivesse internet o tempo todo, provavelmente passaria os dias no celular. Mas aqui a gente se encontra mais, passa horas jogando, conversando, fazendo nada juntas. Isso foi bom, de certo modo. Aprendi a aproveitar a presença real das pessoas.”

Onde há mais pinguins que pessoas

A internet ainda engatinha em um território onde os pinguins são maioria. Estima-se que haja cerca de 1,2 milhão de pinguins nas ilhas — o equivalente a mais de 330 por habitante. Entre as aves, os rebanhos de ovelhas e a vida marinha, a conexão mais rápida parece ser mesmo com a natureza.

Território britânico ultramarino desde 1833, as Malvinas ficam a 500 quilômetros da Patagônia Argentina e abrigam mais de 86 nacionalidades diferentes.

O idioma oficial é o inglês, e a economia gira principalmente em torno da pesca, do turismo e da venda de licenças marítimas. A renda média familiar anual é de cerca de 53.100 libras (quase R$ 390 mil, em conversão direta).

Apesar da pequena população, a diversidade cultural se destaca — e essa mescla se reflete na forma como cada grupo lida com a desconexão. Para muitos imigrantes, como Adeline, a falta de internet é um obstáculo emocional. Para quem nasceu ou cresceu ali, é quase parte da identidade local.

Uma ilha, muitos trabalhos

A rotina nas Malvinas exige mais do que se acostumar à conexão instável. Em um território remoto, com poucos habitantes e alta demanda por serviços, é comum que os moradores acumulem funções para garantir renda ou ocupar o tempo.

Conhecemos um deputado local que, nas horas vagas, trabalha no aeroporto, ajudando no embarque e desembarque de voos. Em uma comunidade tão pequena, muitas pessoas conciliam diferentes ocupações para atender às necessidades da ilha.

Entre os cerca de 15 brasileiros que vivem em Stanley, a adaptação passa por abraçar várias frentes de trabalho, que vão de serviços de limpeza e transporte ao turismo e cuidados domésticos. Essa flexibilidade, que em grandes cidades poderia soar como improviso, nas Malvinas é quase regra — e garante a sobrevivência em um lugar onde cada função extra faz diferença.

O casal brasileiro Jonathan e Mara Hoepers vive essa realidade. Jonathan atualmente é policial, ajudante de limpeza, coletor de lixo, motorista de van e segurança em pontos turísticos. Mara é cuidadora de crianças e dona de uma empresa de limpeza residencial.

“Você acaba fazendo de tudo um pouco. Isso aqui é normal. Não tem aquela coisa de ‘isso não é minha função’. Todo mundo ajuda no que pode”, resume Jonathan.

Apesar das dificuldades, há perspectivas de mudança. A chegada de tecnologias como Starlink e o uso de sistemas VSAT — antenas de satélite que permitem acesso independente à internet — já começam a alterar a experiência digital de parte da população. A expectativa é que, nos próximos anos, a conectividade seja mais estável e com preços mais acessíveis.

Até lá, a vida nas Malvinas seguirá marcada pela desconexão. Para alguns, um problema que limita rotinas. Para outros, uma oportunidade de preservar um cotidiano que resiste à pressa do século 21.

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