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Estúdio|Márcio Neves

14 de fevereiro de 2024. Madrugada silenciosa da chamada Quarta-feira de Cinzas, que marca o fim do Carnaval. Dois homens cruzaram os limites do impossível. Serraram grades, rastejaram por dutos estreitos de manutenção e alcançaram o telhado da Penitenciária Federal de Mossoró. Aproveitando a escuridão de uma lâmpada queimada, cortaram as telas de proteção ao redor do presídio e sumiram na noite.

Até ali, Deibson Cabral Nascimento e Rogério da Silva Mendonça contavam apenas com a própria sorte. E assim foi por dois dias, até conseguirem um celular em um sítio próximo ao presídio. Foi o bastante para acionar o Comando Vermelho, uma das maiores organizações criminosas do país. O que se seguiu foi mais do que uma fuga: foi uma demonstração de poder e desprezo pelas estruturas do Estado.



Durante 51 dias, a dupla escapou das autoridades com o apoio de uma rede sofisticada, interestadual, abastecida com armas, dinheiro e logística. Mas esse mesmo movimento, essa engrenagem em funcionamento, tornou-se também a principal armadilha que levou os foragidos de volta a prisão. Em 4 de abril, a mais de 1.500 km de distância do presídio, foram capturados em Marabá, no Pará.


Em questão de horas, uma estrutura foi posta em acionamento por essa organização criminosa: resgate, esconderijo, roupas, armas, tudo articulado

Vinícius Faria Zangirolano, delegado da Polícia Federal

O Domingo Espetacular teve acesso a documentos sigilosos da investigação da Polícia Federal, e revelam que a operação de resgate acionou uma engrenagem criminosa que atravessou quatro estados, envolveu dezenas de cúmplices e até mesmo a compra de um barco e uma travessia pelo oceano que despistou as autoridades.


A fuga e o pedido de ajuda

A fuga iniciou por volta das 2h06. Os fugitivos passaram despercebidos por uma área em obras, onde ferramentas haviam sido negligentemente deixadas, e romperam o alambrado. O poste de iluminação apagado foi a sombra perfeita para a escapada. O detalhe, crucial, jamais foi registrado no livro de ocorrências da unidade.


Somente ao amanhecer a ausência dos detentos foi percebida. Quatro horas depois do sumiço, começava a maior caçada da história do sistema penitenciário federal.

Dois dias depois, na zona rural de Mossoró, os foragidos invadiram uma casa e usaram os celulares das vítimas para acionar reforços. O Comando Vermelho respondeu. Rapidamente.

“A partir do terceiro dia da fuga, quando eles conseguem acesso a um celular, […] eles fazem contato com uma organização criminosa à qual já eram filiados e, a partir desse contato, conseguem apoio para tentar escapar do cerco policial.”, Vinícius Faria Zangirolano, delegado da Polícia Federal.

Jânio Gleidon Carneiro Sousa, preso em 21 de fevereiro, foi o primeiro elo identificado. Foi ele quem buscou os fugitivos e os conduziu até o sítio de Ronaildo da Silva Fernandes, com apoio de José Gustavo Farias e Joana Melíssia de Freitas, já conhecidos da polícia por tráfico de drogas e ligações financeiras com João Carlos de Almeida Bezerra, o temido “JC” ou “Dog”, apontado como chefe do CV no Rio Grande do Norte.


Em março, os fugitivos foram transportados até o litoral cearense, onde embarcaram em um barco pesqueiro. A jornada marítima rumo ao Pará levou cerca de oito dias. Em 24 de março, alcançaram a Ilha do Mosqueiro, periferia de Belém.

“Pegaram um grampo meu aí, falando com os caras aí, que eu já tirei os caras daí maior tempão já, tá com mais de 15 dias.” JC falando com outro integrante da facção sobre o resgate dos foragidos.

Interceptações telefônicas indicaram que os planos estavam em fase final -e até mesmo uma fuga para a Bolívia em um avião estava nos planos, mas no dia 4 de abril, escoltados por três veículos, os fugitivos seguiam em direção a Marabá.

Faltava pouco para escapar do país. Mas foram surpreendidos por uma operação conjunta da Polícia Federal e da PRF, que os capturou na ponte entre São Félix e Marabá, apreendendo ainda dois fuzis, uma pistola e muita munição. Ali foi o fim da fuga e o início de um trabalho de inteligência para identificar o suporte do Comando Vermelho nesta fuga.


JC CV RN

João Carlos de Almeida Bezerra, o JC, não é apenas um chefe de facção. É o centro de uma estrutura empresarial do crime: operadores financeiros, contas de terceiros, mulheres que lavam dinheiro em nome de companheiros, e fornecedores que agem como executivos de um cartel.

O crime organizado do RN tem CNPJ, organograma, setor logístico e planejamento estratégico. JC dá ordens de dentro de comunidades controladas pela facção no Rio de Janeiro. E sua palavra é lei.

Foi ele quem acionou nomes como Larah Cristina Bráz, sua companheira e operadora financeira. Em poucos meses, Larah movimentou R$ 860 mil. Em áudios interceptados, ela recebe ordens para pagar aluguéis de casas usadas como esconderijos e recarregar celulares utilizados na fuga. JC também dialoga com Ana Catarina Machado, a “Esmeralda”, radicada no Rio, que movimentou mais de R$ 460 mil em operações relacionadas ao tráfico e, indiretamente, à fuga.

E aí, minha filha, faça aí 300 reais nesse PIX aí, para pagar o aluguel da casa lá, que guarda as coisas lá em Baraúna

dialogo de uma das ordens de JC para Cristina

Armas pesadas — inclusive fuzis — foram entregues por João Victor Xavier da Cunha, o “Qualidade”, e levadas até Baraúna, onde os fugitivos se ocultavam. Roupas, veículos com placas frias, imóveis alugados: a logística era meticulosa. O dinheiro fluía, aparentemente sem limites.

Segundo a Polícia Federal, até mesmo a fuga pelo mar só foi possível graças a R$ 70 mil enviados pela facção para financiar a compra de uma embarcação e pagar os responsáveis por levar os foragidos, inclusive com certo conforto, até a Ilha do Mosqueiro, no Pará.

“Nós tivemos notícias de que um barco foi comprado para aquele trajeto do Ceará até o estado do Pará. Foi um barco comprado por R$ 70 mil. Então tudo isso foi financiado por essa facção criminosa.”, afirmou o delegado Igor Rocha.

Red Dots

A operação Red Dots, deflagrada em abril de 2025, é o fio que liga os escombros da fuga à engrenagem que a sustentou. “A investigação pode apontar essas lideranças do Rio Grande do Norte que estão lá no Rio de Janeiro e, a partir de lá, elas têm uma rede de comandados e passavam as orientações para fazer o financiamento das ações.”, afirmou Igor Rocha, delegado da Polícia Federal em Mossoró.

O principal alvo era ele: João Carlos “JC”, o cérebro por trás da rede potiguar do CV, continua foragido, escondido em comunidades dominadas pelo Comando Vermelho, mas boa parte da sua rede de operação no Rio Grande do Norte foi alvo da Polícia Federal, com dezenas de presos, sufocando o poder da facção na região e servindo de resposta ao apoio dela à fuga.

E tudo que foi apurado mostrou que empresas de fachada, movimentações bancárias milionárias e desnudou uma facção que age como uma corporação, com departamentos logísticos, financeiros e operacionais além dos limites do Rio de Janeiro.



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