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Enquanto os olhos do mundo se voltam para a Amazônia na COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), que será realizada em Belém–PA, em novembro de 2025, quem vive nas periferias das grandes cidades brasileiras também aguarda respostas urgentes. A emergência climática já não é previsão: ela bate à porta em lugares como Diadema e Tucuruvi, na Grande São Paulo.

A Amazônia chove em São Paulo: o alerta de Carlos Nobre

Poucos conhecem tão profundamente essa conexão entre floresta, clima e cidade quanto o climatologista Carlos Nobre, doutor pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), membro da Academia Brasileira de Ciências e da USP e primeiro brasileiro reconhecido pela ONU (Organização das Nações Unidas) como “Guardião Planetário”. Nobre integrou o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e recebeu, com o grupo, o Prêmio Nobel da Paz em 2007.


Ele é direto ao falar sobre a crise: “O desmatamento na Amazônia altera o regime de chuvas, intensifica eventos extremos e agrava os microclimas urbanos. As periferias estão na linha de frente dessa crise.”

Para o cientista, a COP30 não pode se limitar às florestas.


“As decisões tomadas em Belém precisam chegar às ruas das periferias. Isso significa incluir essas comunidades nos planos de adaptação e mitigação, com acesso a financiamento, tecnologia e políticas públicas.”

Crise climática tem CEP — e ele é periférico

A emergência climática é também urbana, social e periférica. O calor extremo se tornou rotina, mas seu impacto é desigual.


Em Diadema, a urbanização desordenada, o excesso de concreto e a falta de verde criaram ilhas de calor onde a sensação térmica chega a ser 7 °C maior do que em bairros arborizados. Mais de 90% do território está impermeabilizado, segundo o MapBiomas, o que amplia riscos de doenças respiratórias e cardiovasculares.

Já o Tucuruvi, na Zona Norte de São Paulo, ainda se beneficia da proximidade com a Serra da Cantareira, uma das maiores florestas urbanas do mundo, que ajuda a reduzir em até 4 °C as temperaturas locais. Mas essa proteção está ameaçada pelo avanço da perda de vegetação.

Dados reforçam percepções: calor, lixo e desamparo

Pesquisa realizada em 2025 pelo Instituto Cidades Sustentáveis, Ipec e SESC-SP mostra que 44% dos paulistanos apontam o calor extremo como principal impacto climático. A poluição do ar (71%) e as enchentes (36%) também são preocupações.

O Mapa da Desigualdade 2024, da Rede Nossa São Paulo, reforça: Diadema tem uma das menores médias de área verde por habitante na região metropolitana. Tucuruvi aparece melhor, mas ainda aquém do recomendado pela OMS (12 m² por pessoa). A desigualdade ambiental também se reflete na saúde: em bairros como Cidade Tiradentes, a expectativa de vida é até 24 anos menor do que em regiões mais ricas, como o Jardim Paulista.

Calor, entulho e invisibilidade para os moradores

Além do calor extremo, as periferias enfrentam enchentes, deslizamentos e falta de saneamento básico — problemas agravados pela ausência de políticas públicas.

Em Diadema, o morador Carlos Eduardo resume a expectativa de quem vive nesses bairros: “Eu queria que as decisões desses eventos ajudassem a diminuir as enchentes, o calor, os deslizamentos, essas coisas que acontecem aqui.”

O calor, por vezes, chega a comprometer a segurança das casas. É o que relata Weverton Marcelo, do bairro Eldorado: “Às vezes esquenta tanto que pega fogo. O sol derreteu a capa de um fio e acabou gerando um pequeno incêndio.”

Na comunidade do Morro do Macaco, a comerciante Ágatha Calazans denuncia a alternância entre enchentes e falta de água: “Aqui falta água para todo mundo. Às vezes não tem água na torneira, mas sobra água suja no chão, cheia de larvas, ratos e saruês. As crianças sofrem muito.”

No outro extremo da Grande São Paulo, no Tucuruvi, o calor também é motivo de queixa. Para o empresário Rico Cordelli, a falta de planejamento urbano agrava a situação:

“Falta planejamento de árvores na cidade. Tem muito lixo e poucos cestos. Quando chove, esse lixo vai para o rio, transborda e a cidade afunda junto.”

O farmacêutico Marcelo Sacramento reforça a ausência de políticas locais:

“Nunca vi nenhum projeto sobre clima aqui. Fica abafado e quente, mas ninguém faz nada.”

A percepção vai além do desconforto humano.

A gente se vira, toma uma água, mas a natureza não tem como. Ela sofre mais que a gente.

Nilson Ribeiro, morador do bairro Tucuruvi

A perda de cobertura vegetal e o excesso de calor não só intensificam os problemas urbanos, como fragilizam as defesas naturais contra enchentes, deslizamentos e poluição — colocando em risco a sobrevivência dos ecossistemas urbanos.

Saúde da população é afetada

Gabriela Manari participa de diversos projetos ambientais, como o Instituto Limpa Brasil, que atua na gestão de resíduos sólidos; o programa Meu Futuro, Minha Voz, voltado à alfabetização para mudanças climáticas; e o projeto Banca da Ciência, onde coordena os subprojetos Tarzan e As Barraqueiras, na comunidade do Keralux.

Estudante de Gestão Ambiental na EACH-USP, a ambientalista destaca que as periferias são as mais afetadas pelas ondas de calor, em razão do alto índice de radiação térmica provocado pela concentração de concreto, que intensifica as temperaturas. Outro agravante são as enchentes frequentes nesses bairros, que fazem moradores perderem bens materiais e, em casos extremos, até vidas.

Esses eventos também trazem sérios impactos para a saúde, principalmente quando as águas pluviais se misturam às redes de esgoto. “Isso leva os moradores a enfrentarem graves problemas de saúde física e mental, como aumento nos casos de asma, doenças respiratórias, Alzheimer, AVCs, alterações nos neurotransmissores, diminuição do QI, além de quadros de depressão, ansiedade e perda de qualidade de vida”, relata.

Povos originários também sofrem com a crise climática urbana

A COP30, realizada em Belém, porta de entrada da Amazônia brasileira, traz uma novidade importante: a participação ativa dos povos originários nas negociações climáticas. Pela primeira vez, eles terão voz efetiva no processo, em um passo que reconhece o valor dos conhecimentos tradicionais e a importância de incluir quem, há séculos, protege as florestas e a biodiversidade.

Mas a presença indígena não se limita às pautas sobre territórios e florestas. Muitos vivem em bairros e periferias de grandes centros urbanos, onde sentem de forma ainda mais intensa os impactos das mudanças climáticas.

Leandro Karaí, jovem liderança do povo Guarani Mbya, é educador, comunicador e articulador político em pautas indígenas e ambientais. Ele defende os direitos dos povos originários e a criação de políticas públicas voltadas à juventude indígena.

Segundo Karaí, os efeitos da emergência climática já estão presentes no cotidiano: seja na escassez enfrentada por comunidades indígenas em áreas urbanas, seja nas ameaças constantes aos territórios tradicionais. Para ele, a COP30 precisa garantir que os jovens indígenas estejam nas mesas de decisão e que as soluções partam de quem cuida da terra há gerações.

Ele também destaca como avanço o uso das redes sociais pela juventude indígena para denunciar retrocessos ambientais e fortalecer alianças com outros movimentos sociais.

Expectativas de solução

Os especialistas são unânimes ao apontar o avanço da crise climática nas diferentes regiões do Brasil. Áreas urbanas sofrem tanto os impactos do desmatamento da Amazônia quanto biomas como o Cerrado e a Mata Atlântica, em um ecossistema conectado e interdependente. É por isso que, neste momento, os olhos do mundo estão voltados para a COP30.

Para o cientista Carlos Nobre, as decisões tomadas em Belém precisam ir além dos grandes acordos e alcançar a vida nas vielas, morros e bairros periféricos, onde a crise climática se manifesta com maior intensidade. Isso exige a inclusão real dessas comunidades em planos de adaptação, mitigação e financiamento, garantindo que ninguém fique para trás.

As periferias não podem esperar. O calor extremo, a água contaminada, o lixo acumulado, a ausência do poder público e a perda de áreas verdes revelam uma crise que é urbana, social e climática. Como indicam pesquisas, dados e depoimentos, não existe justiça climática sem justiça territorial. O direito à sombra, ao respiro e à dignidade não pode ser privilégio de poucos, já que os efeitos atingem a todos.

A COP30 é a chance de virar o jogo, mas só fará sentido se quem mora na linha de frente da crise estiver no centro das soluções.

Carlos Nobre, climatologista


Ações locais que podem ajudar

Enquanto as negociações globais avançam lentamente, medidas locais, concretas e urgentes podem aliviar a crise já no presente:

  • Plantio de árvores em bairros periféricos, promovido por prefeituras, associações e moradores;
  • Transformação de lajes em telhados verdes, que reduzem a temperatura e melhoram a qualidade do ar;
  • Criação de parques e corredores ecológicos dentro das cidades;
  • Investimento em moradias adaptadas ao calor extremo;
  • Políticas de mitigação voltadas não apenas para quem emite carbono, mas também para quem sente seus efeitos diariamente.

  • Diretora de Conteúdo Digital e Transmídia: Bia Cioffi
  • Coordenadora de Produções Originais: Renata Garofano
  • Coordenadora de Arte Multiplataforma: Sabrina Cessarovice
  • Coordenadora de Redes Sociais: Maira Pracidelli
  • Coordenador Transmídia de Redes Sociais: Bruno Oliveira
  • Reportagem: Sofia Alves, Iara Machado Mello, Stephany Sampaio, Marcela Torres, Julia Marques, Maria Eduarda Ferreira, Arnauld Fresneda
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  • Arte: Gabriela Lopes
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