A equipe do Jornal da RECORD percorreu o Japão de Tóquio a Hiroshima e Nagasaki para mostrar as marcas deixadas pela Segunda Guerra Mundial. Mais do que uma viagem de trem-bala, foi uma travessia por memórias dolorosas e pela capacidade de um povo de se reconstruir após a destruição total.
Hiroshima recebeu a reportagem com o silêncio pesado de quem guarda lembranças impossíveis de apagar. O Parque Memorial da Paz ocupa o antigo centro comercial da cidade, justamente o alvo da bomba atômica lançada pelos Estados Unidos em 6 de agosto de 1945.
A bomba, chamada Little Boy, explodiu a 600 metros de altura, liberando energia equivalente a 15 mil toneladas de TNT. Cerca de 140 mil pessoas morreram até o fim daquele ano, muitas evaporadas no instante da explosão.
Diante do Genbaku Dome, o Domo da Bomba Atômica, as paredes queimadas pelo calor de quase 4 mil graus Celsius continuam de pé. O rio Motoyasu, hoje tranquilo, foi um dos últimos refúgios de vítimas sedentas e queimadas, que se arrastaram até suas margens nos momentos finais de vida.
No Museu Memorial da Paz, objetos contam histórias de forma mais contundente que qualquer livro: um triciclo retorcido, uniformes escolares queimados, relógios parados às 8h15. Foi ali que a equipe conheceu um dos rostos vivos dessa tragédia.
O menino que sobreviveu à bomba
Keisaburo Toyonaga tinha nove anos quando a bomba caiu. Estava a dez quilômetros do centro, indo a uma clínica, quando ouviu o estrondo e viu a nuvem subir ao céu. Pensou imediatamente na mãe e no irmão de três anos, que estavam na cidade.
Durante três dias, percorreu ruas incendiadas com o avô, empurrando um carrinho de mão. Passou por corpos carbonizados e irreconhecíveis. Encontrou a família por acaso: a mãe, com o rosto preto de queimaduras, e o irmão pequeno, milagrosamente protegido pelo corpo dela na hora da explosão.
Em casa, beberam água usada da banheira, armazenada para apagar incêndios. “Foi a mais deliciosa da vida”, disse a mãe. A família recomeçou em Funakoshi, onde ela abriu uma escola de costura.
Keisaburo sobreviveu a dois cânceres e hoje leva sua história a escolas e grupos de visitantes.
Se uma bomba dessas cair outra vez, será o fim do mundo. Por isso, conto a minha história a quem quiser ouvir
No Parque da Paz, um piano que resistiu à explosão ainda é tocado para lembrar que Hiroshima não quer vingança — apenas que ninguém repita o mesmo erro.
Nagasaki e o fim da guerra
Três dias após Hiroshima, em 9 de agosto de 1945, os Estados Unidos lançaram a segunda bomba atômica, Fat Man, sobre Nagasaki. Mais potente, matou cerca de 74 mil pessoas instantaneamente. O número só não foi maior devido às montanhas que barraram o impacto da explosão.
Ao contrário de Hiroshima, Nagasaki sempre foi uma cidade de portas abertas ao mundo. Desde o século 16, recebeu missionários portugueses e o comércio estrangeiro moldou sua arquitetura e cultura.
Mesmo com o peso da tragédia, a população mostrou à reportagem gestos de generosidade e acolhimento. No Museu da Bomba Atômica, mais rostos, nomes e lembranças de destruição. No Parque da Paz, um monumento ergue um braço ao céu, em referência à explosão, e outro estendido em gesto de paz.
Próximo dali, o Monumento da Amizade Brasil-Japão homenageia os imigrantes que deixaram o Japão para reconstruir a vida no Brasil, hoje lar da maior comunidade nikkei fora do arquipélago.
Linha do tempo do fim da guerra no Pacífico
* 8 de maio de 1945 – Alemanha nazista se rende; guerra termina na Europa.
* 6 de agosto – Hiroshima é destruída pela bomba *Little Boy*.
* 8 de agosto – União Soviética declara guerra ao Japão e invade a Manchúria.
* 9 de agosto (manhã) – Tropas soviéticas avançam no território ocupado pelo Japão.
* 9 de agosto (11h02) – Nagasaki é atingida pela bomba *Fat Man*.
* 14 de agosto – Imperador Hirohito comunica ao Conselho Supremo de Guerra a decisão de se render.
* 15 de agosto – Anúncio oficial da rendição japonesa no rádio (*V-J Day*).
* 2 de setembro – Assinatura formal da rendição no encouraçado USS *Missouri*, na Baía de Tóquio.
Lição que atravessa gerações
A Segunda Guerra Mundial já havia acabado na Europa, mas no Pacífico o Japão resistia. Foram anos de combates sangrentos contra os Estados Unidos e seus aliados, com batalhas como Iwo Jima e Okinawa, que custaram dezenas de milhares de vidas. Tensões com vizinhos asiáticos — como China e Coreia — também faziam parte do cenário, agravadas por anos de ocupação militar japonesa e pelas atrocidades cometidas contra populações civis nesses países.
A rendição só veio após as bombas atômicas e a entrada soviética no conflito. Hiroshima e Nagasaki se tornaram símbolos mundiais da paz e do alerta contra as armas nucleares.
A mensagem que ecoa dessas cidades é simples: na guerra, ninguém ganha. Há apenas perdas — e a oportunidade de aprender com a lição.
Hiroshima e Nagasaki: memórias de dor, lições de paz
Viajei com o cinegrafista Akio Sakaguti e a produtora Sarah Kimura para produzir o documentário “Ecos da II Guerra”, mas voltei com a sensação de que algo profundo havia mudado dentro de mim.
Caminhar até o Genbaku Dome, o Domo da Bomba Atômica, foi como entrar em uma fotografia antiga. As paredes de concreto queimadas pelo calor ainda estão de pé, desafiando o tempo e a indiferença. Ao meu redor, as árvores balançavam suavemente, e o rio Motoyasu seguia seu curso tranquilo.
Custei a acreditar que, naquele mesmo rio, tantos corpos carbonizados foram levados pela correnteza. Dentro do Museu Memorial da Paz, vi vitrines com objetos que contam mais do que qualquer livro de história.
No Parque Memorial da Paz, entrevistei o Sr. Keisaburo Toyonaga, um sobrevivente que hoje dedica sua vida a contar essa história. Ao relatar que a mãe viveu até os 95 anos e que ele mesmo sobreviveu a dois cânceres, me disse, com serenidade, que tudo foi graças a uma mistura de sorte, força e solidariedade dos parentes. No fim, ele afirmou: “Se uma bomba dessas cair outra vez, será o fim do mundo. Por isso, conto minha história a quem quiser ouvir”. Quando o vi desaparecer pelo parque, com os ombros curvados e os passos lentos, senti que toda a história caminhava com ele.
Eu estava ali como jornalista, mas era impossível não conter as lágrimas.
Deixei Hiroshima com o coração pesado e segui a Nagasaki. Se Hiroshima foi o início do fim, Nagasaki foi a dolorosa confirmação de que a guerra não conhecia limites. Conheci moradores que, mesmo com tanta dor no passado, mostravam uma gentileza desconcertante. Nunca encontrei pessoas tão amáveis e generosas.
Em meio a tantas emoções, tive uma surpresa que encheu meu coração de alegria. Perto do memorial, encontrei o Monumento da Amizade Brasil-Japão. Uma homenagem aos milhares de japoneses que, depois da guerra, cruzaram o oceano em busca de uma nova vida no Brasil. Hoje, o Brasil abriga a maior comunidade nikkei fora do Japão, com mais de 2 milhões de descendentes. Vi aquele símbolo como um lembrete de que as pessoas podem renascer mesmo depois de perder tudo.
Ao revisitar essas cidades, senti algo que não sei descrever totalmente. Era uma mistura de tristeza, gratidão e esperança. Ao final, ficou a convicção de que todo ser humano deveria um dia percorrer esse caminho, não apenas para recordar o horror, mas para celebrar o que somos capazes de reconstruir.
Se algum dia você tiver a oportunidade, faça essa jornada. Caminhe pelos museus, olhe as ruínas, escute os depoimentos dos que sobreviveram e ouça o som do piano que testemunhou o fim do mundo e hoje lembra que a paz é sempre possível. Ao terminar, você vai receber um presente de valor incalculável: uma alegria serena, misturada à emoção e à certeza de que a esperança por um mundo melhor jamais poderá ser arrancada da alma. Hiroshima e Nagasaki não pertencem apenas ao passado. São faróis que iluminam o nosso futuro.
Acompanhe a primeira matéria sobre o documentário “Ecos da II Guerra” que foi exibida no Jornal da Record. O documentário está disponível na plataforma recordplus e mostra como estão Hiroshima e Nagasaki, 80 anos depois dos ataques atômicos ao Japão, conta histórias de sobreviventes lá e aqui, além de emocionar com fotos antigas que ganham vida com o uso de inteligência artificial.
A segunda matéria da série “Ecos da II Guerra”, exibida no Jornal da Record, conta como o Brasil viveu as consequências do conflito. Navios foram bombardeados por alemães no litoral brasileiro e alimentos básicos ficaram escassos na mesa da população. Assista:
E na última matéria sobre o documentário “Ecos da II Guerra” exibida no Jornal da Record, pudemos ver como o Japão mantém viva a memória do ataque nuclear que ocorreu há 80 anos.

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