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Estúdio|Maria Cunha

“A Doença de Alzheimer foi um divisor de águas, porque a família parece que saiu do trilho.” É assim que Simone Neves, 58, descreve o impacto do transtorno em sua vida. Em 2008, ela começou a notar pequenos esquecimentos da mãe, dona Thereza, então com 75 anos, que pareciam inofensivos.

O estranhamento aumentou quando, ao visitar os pais, Simone encontrava a mãe vendo televisão, enquanto o pai, seu Jorge, hoje com 95 anos, permanecia triste. “Ela falava dele como se tivesse feito algo. Dizia: ‘Por que ele me trata mal?’ A gente não entendia”, recorda.


O pior ainda estava por vir: dona Thereza esqueceria o próprio marido, com quem completou 67 anos de casamento neste ano. “Foi difícil, porque ela adoeceu e ele também. Tivemos que cuidar dela, já diagnosticada, e dele, em depressão profunda”, afirma Simone.

Simone cuida da mãe, Thereza, diagnosticada com Alzheimer Conviver com o Alzheimer: Dor, Cuidado e Esperança Arquivo Pessoal/Simone Neves

Segundo o neurologista e pesquisador José Augusto Camargo, a Doença de Alzheimer compromete memória, orientação, linguagem e atenção. A principal causa está no acúmulo anormal das proteínas beta-amiloide e TAU no cérebro, processo que começa cerca de dez anos antes dos primeiros sintomas.


“O esquecimento é o primeiro sinal, mas é preciso diferenciar o envelhecimento natural de um quadro neurodegenerativo. No esquecimento normal, os lapsos são ocasionais e não comprometem a rotina. No Alzheimer, a perda de memória é frequente, progressiva e afeta a autonomia da pessoa”, explica.

Alzheimer no Brasil Arte R7

A descoberta

A situação se agravou após dona Thereza completar 80 anos. Meses depois, ela desenvolveu depressão, perdeu peso e começou a esquecer nomes e a ter dificuldade para formar frases. “Ela tomava banho e dizia: ‘Eu não tomei banho. Será que alguém pode me dar banho?’ Colocava uma roupa e, pouco depois, trocava por outra”, lembra Simone.


A confirmação do diagnóstico veio quatro anos depois, quando a idosa não conseguiu desenhar um relógio — teste simples usado para avaliar funções cognitivas. “A geriatra pedia: ‘Desenha um relógio marcando 3 horas.’ Ela não conseguia nem fazer o círculo.”

“Aos pouquinhos, ela foi apagando. Hoje ela é silenciosa, fala e interage pouco”

Simone Neves sobre a mãe, dona Thereza

Segundo o doutor André Pernambuco, coordenador da Enfermaria de Cuidados Paliativos e da Interconsulta de Geriatria da UNIFESP, do diagnóstico de Alzheimer até os estágios avançados costuma levar cerca de 15 anos. Nessa fase, o paciente está geralmente acamado e depende totalmente de cuidados.

Ele lembra que o impacto é contínuo: “É um luto decomposto: a pessoa que você ama vai morrendo aos poucos, perde memória e identidade, e termina como alguém que não é mais quem você conheceu.”

Simone concorda: “O Alzheimer trouxe um desequilíbrio para toda a família. Os médicos dizem: você precisa tratar a família, que sofre ao ver as perdas de potência daquela pessoa. Ela perdeu a potência de mãe, de mulher, de dona de casa, de ser humano.”

A demência vascular

Se o quadro de dona Thereza já preocupava Simone, a situação piorou quando, dez anos após os primeiros sinais do Alzheimer da mãe, seu Jorge, aos 88 anos, sofreu um AVC hemorrágico. Ela não imaginava que o pai teria novos derrames em 2019, 2021 e 2024.

O último, no lado esquerdo do cérebro, deixou sequelas cognitivas e motoras: ele levou meses para conseguir segurar uma caneca ou voltar a se alimentar.

“Meu pai era um homem culto, sabia o significado de qualquer palavra. Hoje não fala coisa com coisa”

Simone Neves sobre o pai, seu Jorge

Em julho deste ano, Jorge foi internado novamente após se engasgar, broncoaspirar e desenvolver sepse pulmonar. A alta, em 14 de agosto, foi uma surpresa para Simone: “Eu pensei que perderia meu pai. Achei que não resistiria.”

Doença Sem Aviso: O Peso do Alzheimer e do AVC na Vida de um Casal Casados há décadas, Thereza e Jorge agora lidam com o Alzheimer e as sequelas de um AVC, unindo forças para manter a rotina Arquivo Pessoal/Simone Neves

A perda de todas as potências

Hoje, Simone cuida de tudo sozinha há mais de cinco anos. “Brinco que administro tudo: do papel higiênico ao mais sério — dinheiro, cuidadores, mercado, remédios, fraldas, fisioterapia, médicos”, relata.

No início da demência dos pais, ela contou com o apoio da irmã mais velha, Denise, que há quatro anos, aos 60, também recebeu o diagnóstico de Alzheimer. “A desordem familiar aumentou. Imagine ter uma mãe e uma irmã com Alzheimer”, diz.

Em 2018, Denise começou a ter dificuldade em tarefas que sempre dominou, como usar o celular ou o aplicativo do banco. Em 2020, os sintomas se intensificaram: repetia perguntas, esquecia coisas simples e chegou a perder o carro no estacionamento. Hoje, aos 64 anos, já não consegue formar frases com sentido.

“As três pessoas que são fontes de nutrição para mim — pai, mãe e irmã — estão adoecidas. Eu tenho medo. Tenho genética de AVC e Alzheimer”

Simone Neves

Quando o Alzheimer atinge duas vezes: A rotina de Simone com a mãe e a irmã O Peso do Alzheimer: mãe e irmã na luta contra a doença Arquivo Pessoal/ Simone Neves

O neurologista José Augusto Camargo explica que o Alzheimer raramente é hereditário, mas a predisposição genética pode aumentar o risco — especialmente quando os sintomas aparecem antes dos 60 anos ou há vários familiares afetados.

Entre os fatores de risco estão idade avançada, histórico familiar direto, traumas cranianos, baixo nível de escolaridade e condições ligadas ao estilo de vida, como má alimentação, sedentarismo, sono inadequado, hipertensão, diabetes, colesterol alto, tabagismo e consumo excessivo de álcool.

Segundo o geriatra André Pernambuco, muitos pacientes perguntam se podem desenvolver Alzheimer. “Com alguns marcadores genéticos, conseguimos prever com certa acurácia quem tem risco”, afirma. Mas ele pondera: “Na prática, pouco pode ser feito. Essa informação muitas vezes soa como uma sentença vazia.”

Um luto decomposto

O engenheiro Francisco Miranda, 60, estava casado há 20 anos com Maria Georgina, 57, quando decidiram viajar para Portugal, em 2014. As férias chegaram em um momento delicado: Gina — psicóloga e professora da PUC-SP — enfrentava reclamações de alunos insatisfeitos com algumas atitudes dela.

Francisco, no entanto, não deu muita atenção. Acreditava que Gina relatava os acontecimentos de forma atrapalhada e era naturalmente distraída. Durante a viagem, porém, percebeu sinais diferentes: ela estava confusa.

Tem coisas que você não percebe no dia a dia. Gina perdeu o RG cinco vezes, o cartão de crédito quatro, a chave do carro três

relembra Francisco, marido de Maria Georgina

Gina e o marido Francisco Francisco ao lado da esposa Gina: ele se tornou seu cuidador em tempo integral Arquivo Pessoal/ Francisco Miranda

De volta ao Brasil, os episódios se intensificaram. Após visitar uma amiga, ela ligou para o marido dizendo não saber onde estava. “Falei: ‘Olha a placa da rua’. E ela respondeu: ‘Eu não sei’.”

Percebendo que algo sério se passava, Francisco decidiu levá-la ao médico. “Como os primeiros sintomas apareceram aos 57 anos, que é muito jovem, a gente imagina que seja qualquer coisa, menos Alzheimer.”

Quando os sintomas ganham sentido

Em busca de respostas, o casal procurou outro médico, que solicitou um exame para medir proteínas no cérebro — aumento nos índices indicaria fortemente a doença. O resultado confirmou a suspeita, aumentando a angústia de Francisco: “Eu me massacrava por dentro. Você nega, pensa: ‘Não pode ser. Qualquer coisa, menos isso’.” Emocionado, relembra: “Passei por choros terríveis.”

O Alzheimer é o seguinte: ele nunca melhora. A demência é progressiva. Eu nunca soube o quanto progressivo poderia se.

Franscisco Miranda, marido de Gina

O diagnóstico definitivo veio três anos após os primeiros sinais, com um neurologista da USP especializado em Alzheimer. Para o doutor José Augusto Camargo, o diagnóstico precoce é essencial. “Identificar a doença nos estágios iniciais permite retardar sua progressão com tratamento, melhorar a qualidade de vida e autonomia do indivíduo, além de ajudar no planejamento familiar para acesso a cuidados e recursos adequados.”

Protocolo de exames para detecção de Alzheimer Arte R7

Um dia pior que o outro

Os anos seguintes foram difíceis para toda a família.

No início, Gina era acompanhada por uma profissional que estimulava suas funções cognitivas com escrita de textos e fotos para lembrar dos filhos. “Atividades como jogos, caça-palavras, quebra-cabeças, leitura, pintura, musicoterapia e interação social ajudam a estimular o cérebro e contribuem para o controle da doença”, explica o doutor José Augusto, ressaltando também a importância de hábitos saudáveis, como dieta equilibrada e exercícios físicos.

O doutor André Pernambuco destaca o papel do trabalho multiprofissional, envolvendo neurologista, geriatra, psicólogo, terapeuta ocupacional e fisioterapeuta. “Existem experiências interessantes com pet-terapia para pacientes com Alzheimer. Alguns contam até com ‘cães-guia’, que conhecem os caminhos, trazem objetos esquecidos e auxiliam na rotina diária”, afirma.

Ele lembra que, mesmo com a perda de memória, é possível proporcionar momentos de resgate da identidade.

Eu tinha um paciente que levava os netos para a Disney. Quando começou a desenvolver Alzheimer, uma musicoterapeuta passou a tocar músicas da Disney com ele. Ele tinha o maior prazer de cantar com os netos

doutor André Pernambuco

Entre a Memória e o Afeto: Francisco e Gina Francisco ao lado da esposa Gina, que vive com Alzheimer: ele se tornou seu cuidador em tempo integral Arquivo Pessoal/ Francisco Miranda

Uma vida de cuidado

Quatro ou cinco anos após os primeiros sintomas, Maria Georgina se desligou da PUC-SP. “Eu falei para os meus filhos: ‘Deixa que eu cuido’. Eles eram jovens e souberam de tudo, mas eu os poupei de ter que fazer o que eu fazia. Cada um já tinha ido para um canto, mas eu fiquei”, lembra Francisco.

Durante sete anos, ele cuidou da esposa sem parar. “Dediquei minha vida a cuidar dela. Até o ponto em que pus uma cuidadora, duas, três, para ficar 24 horas. E aí não deu mais.”

Há dois anos, Maria Georgina foi para uma casa de repouso, onde permanece até hoje. “Cada dia é pior que o outro. Ela vai lembrando menos, falando menos, fazendo menos coisas. Hoje mal consegue comer sozinha. Não lembra de nada, não se expressa”, desabafa Francisco.

As pessoas desaparecem

Para Simone Neves, quando alguém enfrenta câncer, todos se mobilizam. Com um parente com demência, porém, a situação muda: as pessoas somem. “Amizades, família, amigos, parceiro… desaparecem. Muitos acham que ‘não serve para mais nada’ e a pessoa acaba excluída de eventos”, explica.

O doutor André Pernambuco reforça que o Alzheimer é crônico, progressivo e sem cura, encaixando-se no conceito de cuidado paliativo. “Não temos cura para a doença, mas temos para o sofrimento. O foco deve ser a qualidade de vida do paciente e dos familiares.”

Ele destaca ainda a importância de apoiar os cuidadores: “Uma família com Alzheimer é uma família doente. Isso afeta relações pessoais e a estrutura familiar.”

Conheça os tipos de demência Arte R7

A cura

André Pernambuco explica que a maioria dos medicamentos para Alzheimer apenas retarda a progressão e controla sintomas. “Podem atrasar a evolução, mas não impedem que a doença avance.”

Ele ressalta que novos medicamentos, indicados antes do surgimento dos sintomas, têm limitações: são recentes, caros e com riscos importantes, inviáveis para sistemas públicos de saúde.

O doutor José Augusto Camargo aponta que pesquisas em nanotecnologia oferecem esperança.

Estudos sugerem que a memória pode não estar totalmente perdida. A comunidade científica tem avançado muito, e há otimismo em relação à possibilidade de, no futuro, a cura para o Alzheimer se tornar real.

doutor José Augusto Camargo

Dicas de filmes e séria sobre Alzheimer Arte R7

  • Diretora de Conteúdo Digital e Transmídia: Bia Cioffi
  • Coordenadora de Produções Originais: Renata Garofano
  • Reportagem: Maria Cunha
  • Coordenadora de Arte Multiplataforma: Sabrina Cessarovice
  • Arte: Gabriel Marques
  • Arte: Gabriela Lopes
  • Arte: Amanda Arashiro
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