Manaus, a cidade dos rios e igarapés, uma das maiores metrópoles da Amazônia, vive um cenário de alerta. O que já foi espaço de lazer e convivência para a população hoje reflete a falta de saneamento, o avanço urbano desordenado e a ausência de políticas públicas eficazes.
De águas limpas à poluição
Na década de 1960, balneários como o do Parque 10, no igarapé do Mindu, eram pontos de encontro dos manauaras. Moradores mais antigos, como dona Maria de Fátima, lembram da água limpa e da tranquilidade — atualmente substituídas por entulho, esgoto e doenças.“Era tudo limpo, tudo maravilhoso, era a natureza real, como sempre foi. Quando vou para o píer, na orla do Centro da cidade, lembro de tudo aquilo, porque parece que vejo eu e meus irmãos nadando. Era só alegria”, recorda a idosa de 89 anos.

Hoje, o cenário é outro: lixo, esgoto e doenças. O que deveria carregar vida virou depósito de entulho — garrafas, sacolas, móveis e até eletrodomésticos. Uma cena que se repete por toda a cidade.
O crescimento urbano agravou o problema. Entre 2010 e 2022, Manaus ganhou 261.533 habitantes, chegando a 2,1 milhões, segundo dados do último Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mas o tratamento de esgoto não acompanhou esse avanço.
Nas áreas ribeirinhas, o contraste é ainda mais visível. Ivone Moura, moradora de uma palafita às margens do Rio Negro, viu de perto a transformação.
A gente tomava banho, lavava roupa, fazia de tudo. Eu tinha uns 8 anos. Era bom demais.
Atualmente, ela divide espaço com o lixo, o risco de doenças e o forte odor. A moradora aponta não só a falta de limpeza por parte do poder público, mas também a ausência de consciência dos próprios vizinhos.“É casa demais. O povo joga lixo, joga de cima das casas mesmo, pela janela. É geladeira, fogão, jogam tudo que não presta e fica de bubuia”, desabafa.

Saneamento insuficiente
De acordo com o Instituto Trata Brasil, apenas 22% da população de Manaus tem acesso à coleta de esgoto — índice que coloca a capital entre as vinte piores do país. A concessionária Águas de Manaus afirma que os dados estão defasados e destaca o programa “Trata Bem Manaus”, que prevê universalizar o serviço em até dez anos.
Na maior estação de tratamento de esgoto da Região Norte, o processo devolve a água aos igarapés com mais de 90% de pureza após 24 horas de tratamento. “A gente sabe que, a cada 1 real investido em saneamento, trazemos 4 reais em retorno para a saúde”, disse a gerente de operações da empresa, Jéssica Candeia.
A esperança das nascentes
Apesar do cenário de degradação, ainda há resistência. Pesquisas do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e do IFAM (Instituto Federal do Amazonas) identificam nascentes urbanas com qualidade de água comparável à de florestas primárias.
Nossa equipe de reportagem foi a uma delas, localizada dentro de uma área verde na zona Leste de Manaus. Depois de quase uma hora de trilha, chegamos ao destino: a água brota do fundo da terra, quase cristalina.
Os pesquisadores acompanham a qualidade da água constantemente. “Todo mês fazemos a coleta da água. Então, temos esse parâmetro aqui na nascente e outros pontos de coleta a jusante deste igarapé”, detalha o engenheiro florestal do IFAM, Edimilson Lima.
A nascente é um local que resistiu ao tempo e à ação humana. O barulho das plantas e o canto dos pássaros parecem criar um cenário intocado, mas basta caminhar alguns quilômetros para que o cenário mude: o igarapé que nasceu puro agora corta a cidade em meio a escombros, lixo e esgoto.

Ações e iniciativas locais
Enquanto o poder público não se entende, a comunidade age. Um ambientalista da zona Leste de Manaus criou uma estrutura metálica para recolher o lixo do igarapé: são as ecobarreiras.
Dados da Secretaria Municipal de Limpeza Pública apontam que, só este ano, 5.949 toneladas de lixo foram retiradas dos igarapés de Manaus. Deste total, 1.629 toneladas foram bloqueadas pelas ecobarreiras, cerca de um terço do volume total.
A iniciativa nasceu da insistência de um morador das margens do igarapé. “Comecei a fazer um experimento. Na terceira tentativa, criei a ecobarreira, um equipamento de alumínio náutico com uma tela galvânica. A estrutura se transforma numa plataforma que facilita a retirada do lixo. Os garis retiram o lixo sem precisar entrar na água”, explica o idealizador do projeto, Mazinho da Carbras.

Futuro em disputa
Entre a poluição que avança e as soluções que começam a surgir, o futuro dos igarapés de Manaus ainda está em disputa. A preservação depende não apenas do poder público e da tecnologia, mas também da consciência de cada morador.
Pesquisar, investir e unir esforços é fundamental. É difícil, mas não impossível recuperar as nossas nascentes
Cuidar da água significa garantir saúde, dignidade e futuro para os manauaras.

- Diretora de Conteúdo Digital e Transmídia: Bia Cioffi
- Coordenadora de Produções Originais: Renata Garofano
- Reportagem: Lucas Conrado
- Reportagem: Thiago Rodrigues
- Coordenadora de Arte Multiplataforma: Sabrina Cessarovice
- Arte: Gabriela Lopes