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Estúdio|Filipe Pereira*, do R7

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Um número que parece uma sentença. Dígitos que no visor da balança tendem a não abaixar. Ao tirar os olhos do equipamento, outra dor vem: a do julgamento social. Palpites e críticas que machucam, principalmente quando chegam de pessoas ao seu redor.

Por trás dessa briga constante há uma doença que atinge 700 milhões pessoas em todo o mundo em 2025, segundo estimativa da OMS (Organização Mundial da Saúde), e que muitas vezes não é uma vista como uma questão médica: a obesidade. Na batalha contra esse mal, não é raro ouvir relatos de pessoas que, para reduzir o peso, se sujeitaram a diversos tratamentos que proporcionam, muitas vezes, mais sofrimento.


Um dos caminhos buscado por diversos pacientes é a cirurgia bariátrica. Atualmente, no país, as duas modalidades mais comuns são a sleeve, que remove cerca de 80% do órgão, assim como a diminuição do apetite do paciente, e a bypass, procedimento em que se cria uma pequena bolsa no estômago para reduzir a capacidade de armazenamento do órgão.

A esse segundo método se submeteu a biomédica Andresa Rabelo, de 30 anos, que comentou sua expectativa um dia antes da cirurgia: “Tá sendo muito leve agora no final, só a parte mesmo da dieta que é bem restrita, né? Hoje mesmo, é só líquido, mais nada e é tudo quantificado em horário exato, [...] tá sendo uma nova fase”.


Quem vê a tranquilidade de Andresa pode não imaginar a trajetória de sua vida. No combate ao peso desde a infância, ela passou por diversos profissionais e métodos nessa jornada, e foi em um destes acompanhamentos que o diagnóstico de um nódulo na tireoide mudou sua perspectiva sobre a vida. Com histórico de câncer na família e com um risco de agravamento na condição por conta da obesidade, a decisão pela cirurgia veio.

Eu via a morte chegando bem pertinho de mim nesse tempo que fiquei me preparando pra fazer essa cirurgia. E aí quando saiu o laudo, que era realmente o carcinoma papilífero [câncer menos agressivo na tireoide], eu literalmente falei: ‘Eu preciso buscar isso em mim, eu preciso ter essa força de vontade’

Andresa Rabelo, biomédica

Andresa não está sozinha neste barco, segundo levantamento da SBCBM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica). Entre 2022 e 2024, foram realizados cerca de 291.731 procedimentos no país, sendo 260.380 por meio dos planos de saúde e 31.351 deles pelo SUS (Sistema Único de Saúde). E apesar de soar como último recurso, cada paciente apresenta uma realidade e deve ter um diagnóstico único. É o que explica Flávio Kawamoto, cirurgião e coordenador do Instituto de Obesidade e Diabete do Hospital Moriah.


“Se adotou muito se essa visão de ‘fez tudo e não tem mais nada, vamos fazer a cirurgia’ e tem se mudado um pouco. Pela questão de realmente você ter a abreviação desse tempo, e não deixar como último recurso, podendo degradar mais a saúde e quando você fizer a cirurgia, já estar num estado mais avançado de doença”, comenta o médico.

Do diagnóstico à mesa de cirurgia

Mesmo não sendo mais visto como um último recurso, a jornada para aprovação da bariátrica não é simples e exige uma série de laudos de uma equipe multidisciplinar que envolve exames físicos, alimentação e cuidado mental. Kawamoto destaca a importância do acompanhamento psicológico, uma vez que, pontua o médico, cerca de 60% dos pacientes na preparação para a bariátrica possuem algum tipo de condição psicológica que, combinada à obesidade, contribui para o ganho de peso.

Dessa forma, entender quais os possíveis gatilhos que aumentam o peso é fundamental durante o processo, principalmente para o pós-operatório. Andresa é um exemplo de como esses profissionais são essenciais, com mudanças significativas em sua mentalidade desde que começou a se consultar com um psicólogo.

Números da obesidade Arte R7

“No começo, eu achei que literalmente só precisava do psicólogo pra me liberar e ponto, eu achava isso uma balela, literalmente. Só que, aos poucos, eu fui percebendo que em todas as sessões que a gente tinha, ele me ajudava a ser um pouco melhor”, relata.

Com o acompanhamento do profissional para estudar a mente e possíveis gatilhos do paciente, muitas vezes causados por ansiedade ou para alimentar sentimentos repreendidos desde a infância, o acompanhamento pós-cirúrgico também é essencial. A recomendação destacada por Patrícia Muneron, psicóloga do Hospital Moriah, vem de um número alarmante, de que cerca de 80% das pessoas submetidas à bariátrica não seguem tal direcionamento e se ausentam para consultas após o procedimento.

A médica ainda pontua que o acompanhamento no processo após a cirurgia é importante para o paciente conseguir reconhecer e inibir os motivos que causam o consumo desenfreado de alimentos e práticas não saudáveis antes que possa acontecer o chamado reganho de peso. Segundo ela, a substituição por atividades físicas e outros hobbies é uma das opções de caminhos para evitar os gatilhos. Porém, sem um profissional orientando, a jornada do paciente sozinho pode ser mais difícil.

Bariátricas no Brasil Arte R7

“Isso vai ajudá-lo a lidar com essas situações, mas se ele não procura um acompanhamento e ele também acha que, somente porque perdeu o peso, já vai conseguir conquistar as coisas dele, fica um pouco mais difícil dele lidar”, completa.

Além de evitar que velhos hábitos ruins retornem, cuidar da mente é essencial para que a pessoa também entenda sua nova realidade, com um corpo diferente do que costumava conviver — o que pode gerar conflitos internos. Atrelado a isso, a diminuição da quantidade de alimentos comumente ingeridos e a nova rotina podem causar sentimentos de mal-estar e pensamentos ruins acerca do processo.

Além de psicólogos, outros profissionais fazem parte da equipe que acompanha quem está nessa jornada. O nutrólogo é um dos responsáveis tanto para o paciente chegar a um peso ideal para a cirurgia, como na preparação pré-operatório.

“A ideia é que se prepare dessa maneira, porque você muda a mentalidade para que você, seja melhor na alimentação, você já coma mais saudável, diminua gradativamente a quantidade para que quando opere já não tenha aquele baque”, ressalta o Dr. Kawamoto.

Mariana Verdelho fala sobre sua meta Arte R7

Outro ponto fundamental é o acompanhamento após a saída do centro cirúrgico. Novas orientações de quantidades e recomendação de alimentos com nutrientes necessários são de extrema importância, principalmente no período de adaptação com o estômago reduzido. Da mesma forma, tais profissionais podem prescrever a aplicação de suplementação de vitaminas e minerais em um primeiro momento para atender as demandas necessárias pelos pacientes, com acompanhamento semestral via exames.

“É preciso entender que qualquer tipo de emagrecimento, seja cirúrgico, medicamentoso ou mesmo dietas restritivas, não são milagrosos. Muitos comentem o erro de comer até o estômago doer, outros não tratam a compulsão alimentar, beliscam o tempo todo, esquecem o uso de suplementos importantes para cada etapa do processo. O reganho acontece muitas vezes dentro do processo de perda de peso, perdendo então a cirurgia”, evidencia Carolina Angelina Martins, nutricionista do Hospital Moriah.

Aceitar a obesidade e a busca pela mudança

Ao seguir tais orientações e não sofrer de males psicológicos pós-cirúrgicos, Mariana Verdelho, jornalista do Portal R7 e autora do Blog Obesidade sem Tabu, sabe que seu caso é diferente de muitas outras pessoas, principalmente por conta de sua trajetória antes do procedimento. Ao pesquisar e falar com muitos profissionais e pessoas se submeteram à bariátrica, a profissional de comunicação de 41 anos sentiu mais confiança no processo e o aceitou como um passo para a mudança que sua vida precisava.

No entanto, seu desafio pessoal foi aceitar sua condição e aprender a internalizar que era obesa para só depois contar isso ao mundo. Tal passo, apesar de simplório em palavras, é a derrubada de uma gigante barreira não só para ela, uma vez que, assim como seu eu do passado, muitas pessoas não levam a doença com a seriedade devida e a encaram com olhares preconceituosos.

“A parte mais difícil foi dizer pra minha mãe, meu marido, meu pai e pras pessoas do meu convívio, assim: ‘Olha, é o seguinte, eu sou obesa’. Sabendo que eu crescia ouvindo que pessoas obesas não mereciam, que pessoas obesas meio que não teriam direito de ser amadas”, desabafa.

Mari celebra ao lado filho as mudanças Reprodução/Instagram @mariverdelho

Assim como para Mariana, assumir a doença, enquanto não normalizada, é como confessar um crime, uma sentença que traz vergonha e muita dor para quem está no processo. O que vem em seguida é uma luz e um novo caminho a ser trilhado. Humanizar o termo ‘obeso’ traz mais pessoas para a discussão sobre o assunto e mostra que é possível assumir o controle sobre a doença.

Manter esse controle é o que a jornalista busca hoje. Muito diferente de um passado de extremos, em que ela chegou a pesar 45 kg com tratamentos medicamentosos que envolveram até remédios para ataques epiléticos. A busca pelo corpo perfeito vinha de pressões sociais e que custavam qualquer preço, algo que Patrícia Muneron comenta ser frequente nos pacientes.

“Ele [o paciente] começa a desacreditar dele. Ele acredita que somente ao ser magro vai conquistar as coisas que ele almeja: ‘Ah, um bom emprego por causa da aparência’. Ele acha que a aparência conta muito e esquece das competências que ele possui, das habilidades. Então, inclusive, quando eles procuram a bariátrica, quando a gente vai fazendo as entrevistas, muitas vezes eles associam essa questão da beleza de estar magro as suas conquistas pessoais”, pontua a psicóloga.

Claro que os dedos apontados da sociedade são apenas uma parte do problema, sendo fundamental a pessoa obesa admitir seus hábitos e vícios os quais acentuam o ganho de peso. Tal ‘parcela de culpa’ é reconhecida por Mariana e Andresa, que demostram isso como parte essencial no processo e na forma como o amadurecimento as ajudou nesse entendimento.

Me sinto culpada de não ter percebido antes, de não ter me acolhido antes e de não ter olhado pra mim antes do lado que tenho uma doença, sou obesa. Minha vida poderia ter sido diferente, mas a chegada aos dos 40 anos, ela faz muita coisa na vida de uma pessoa mesmo de fato. E a minha foi esse olhar é voltar pra mim e falar ‘Pera aí, eu preciso de ajuda aqui, eu não quero tomar remédio por minha vida’

Mariana Verdelho, jornalista

Outro ponto que liga a vontade de mudança da blogueira do ABC Paulista e da biomédica, que mora em Santa Isabel, no interior de São Paulo, é algo que veio de seus corpos, mas se estende para fora deles: os seus filhos. Motivadas a viver o futuro ao lado de seus pequenos e de forma mais saudável, o amor por eles foi um dos propulsores para a cirurgia bariátrica.

“Eu preciso ter essa força de vontade porque eu sempre fui obesa, desde pequena, né? Eu já tomei remédio permanente e já fiz tratamento com nutricionista, já perdi muito peso, já ganhei muito peso. E aí hoje, com 30 anos, com dois filhos, eu falei que o meu sonho de vida era poder correr com os meus filhos, sem me cansar. Tenho uma filha de 9 anos e tenho um filho que vai fazer 3 anos agora e isso me fazia muita falta”, desabafa Andresa.

“Muitas vezes a gente fala assim: ‘Eu mato pelo meu filho. Nossa, se precisar, eu morro’. Mas decidi mudar essa frase: ‘Eu vivo pelo meu filho’. Não quero morrer por ele, quero viver para ele. Quero tá do lado dele e essa atitude de fazer a cirurgia, eu fiz para conseguir ganhar mais anos de vida, para conseguir ter mais qualidade de vida”, comenta Mari.

O futuro de um operado

Andresa relata que família entrou na jornada ao seu lado Arquivo Pessoal

Com a chance de um recomeço após a bariátrica, repensar como será a vida é essencial. Projetos e objetivos para a nova fase podem ajudar a se manter no caminho. Nesse processo entra a importância de exercícios físicos, alimentação regrada e cuidado com vícios que podem ser maléficos, principalmente nos meses iniciais, como açúcar e álcool — sendo esse segundo o mais perigoso devido ao alto risco de vício com os efeitos potencializados pela redução do estômago e metabolização mais rápida.

Os especialistas ouvidos nesta reportagem reiteram a necessidade de um acompanhamento periódico com profissionais no processo pós-cirúrgico para evitar o reganho de peso e outros problemas já listados, como falta de nutrientes com alimentação inadequada.

Da mesma forma, é essencial que uma pessoa que esteja na jornada da cirurgia tenha noção das limitações de seu próprio corpo e até quais cifras o procedimento pode reduzir. Uma vez que, caso o paciente esteja com um peso total muito acima do ideal, o montante perdido só pela redução do órgão pode não alcançar os níveis.

Assim como destaca o cirurgião Flavio Kawamato, o método não é uma solução definitiva e continuar no acompanhamento é parte de um tratamento de vigilância. “Senão ele também, assim como outros tratamentos, tende a ter a falha, e não dar resultados que a gente espera”, completa.

Ter a noção desses fatores e ajuda dos profissionais pode ser um divisor de águas no pós-cirúrgico, assim como destaca Andresa em nossa conversa um mês após o seu procedimento. Com dificuldades na alimentação líquida nos primeiros dias e o psicológico abalado com as mudanças, a biomédica exaltou como as conversas com a nutricionista e o psicólogo foram essenciais nesse momento.

“Daí me deu um gás a mais assim, sabe? Meu psicológico ficou um pouco melhor. Mas assim, meu psicólogo, coitado, tive que chamar o SOS com ele assim várias vezes porque foi bem complicado”, relembra o momento.

Sonho de Andresa Rabelo após a cirurgia Arte R7

Com a força-tarefa, ela conseguiu retomar o foco e conta com o apoio da família, com o marido como parceiro nos treinos e os filhos como degustadores oficiais de suas novas receitas. Após um mês do procedimento e com 12 kg a menos, Andresa já consegue aproveitar atividades que antes possuía mais dificuldade, como os exercícios e até um passeio para comprar roupas novas.

“Basicamente na minha cabeça o que mais bate é isso: que agora eu só tenho que continuar nesse ritmo, que está dando muito certo, que estou conseguindo, a cada passo de formiga, atingir meu objetivo, já está dando uma diferença enorme na minha roupa, no meu jeito de me olhar no espelho, das pessoas me verem, sabe?”, afirma confiante.

Ter a sensação de estar no caminho certo é o sentido buscado também por Mari Verdelho. Apesar de sua condição não ter cura, mas sim controle, hoje ela possui mais noção disso e busca passar esse pensamento também para os leitores do Obesidade sem Tabu. A jornalista foca somente em sua saúde corporal e sabe que o equilíbrio é uma meta vitalícia, sem embasamento em alcançar números na balança.

“As pessoas me perguntam: ‘Ah, quanto você quer pesar? Qual o mínimo que você quer pesar?’ Não sei te dizer qual o mínimo que quero pesar, o quanto quero pesar, o que eu quero é ter mais músculo do que gordura no meu corpo. O que eu quero é ter saúde pra brincar com meu filho. [...] Eu tenho gostado muito da minha vida assim. Pra mim a cirurgia bariátrica me fez renascer de verdade”, celebra.

*Sob supervisão de Arnaldo Pagano, editor do R7.

  • Diretora de Conteúdo Digital e Transmídia: Beatriz Cioffi
  • Reportagem: Filipe Pereira
  • Edição: Arnaldo Pagano
  • Coordenação de Arte Multiplataforma: Sabrina Cessarovice
  • Arte: Gabriel Marques Rodrigues
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