André Tal, do Jornal da Record
Nossa próxima parada é a cidade de Jequitinhonha, que leva o nome de uma das regiões mais conhecidas de Minas Gerais. Infelizmente, a fama do Vale do Jequitinhonha não é das melhores. Esta é uma das regiões mais pobres do país, onde a fome se assentou há tempos e insiste em não ir embora.
Conversando com os moradores da região, fica a percepção de que a dor da fome é quase tão grande quanto a dor da vergonha pela fome. O sertanejo reluta em admitir que não tem praticamente nada para comer, principalmente em frente a um grupo de estranhos com câmeras e equipamentos.
Logo na primeira casa que paramos, isso aconteceu. Quem nos levou até o local foi uma jovem, responsável por um programa de doações de cestas básicas para famílias isoladas no Vale do Jequitinhonha. Ela nos dizia: “a mulher que vamos visitar mal consegue alimentar os filhos”.
Pedimos licença e entramos na casa da mãe que, pacientemente, descascava o andu, uma espécie de feijão verde comum na região. Claramente, aquela era a única esperança de almoço. Mas quando perguntamos se havia comida suficiente para a próxima refeição, Fernanda dizia que ainda iria preparar arroz, feijão, abóbora e até uma carne.
Agradecemos a atenção dela e nos despedimos. Uma hora mais tarde, enquanto a gravavavamos na casa de um vizinho, a filha de Fernanda se aproximou da jovem da ONG com um recado da mãe. Ela se desculpava por ter mentido para nossa equipe. Mal tinha o que comer, mas a vergonha pela fome era enorme.
Dona Vera Lúcia capricha nos temperos: cebola, alho e corante. É preciso incrementar o prato do dia, uma sopa de osso.
E ela não lamenta, pelo contrário, até se empolga. Afinal, tem uma raspa de carninha e gordura na lateral dos ossos, que ela ganhou no dia anterior de um amigo que voltou da roça.
“Presente precioso”, diz dona Vera, 16 filhos, 40 netos, 59 anos. O rosto marcado pela vida, a pele ressecada, os olhos fundos. A idade parece ser mais avançada.
Ela prova a sopa ainda no fogo à lenha e se empolga: “humm, gosto bom! O osso tem sabor forte”.
Dizem que a fome é o melhor tempero. Hoje ela não tomou café da manhã, só um gole no café preto. Pergunto se não havia ao meno um pão."Cadê meu filho? Não tem dinheiro para comprar o pão."
Dona Vera mora num pequeno povoado da cidade de Jequitinhonha, na região de Minas Gerais que já foi conhecida como o "Vale da Fome'. E dona Vera sabe bem o que é passar fome.
"Falta tudo, filho. Tem dia aqui que eu chego a chorar aqui de tanta fraqueza que eu ando”, diz a viúva de fala marcante.
Na memória, dias inteiros ou até uma semana, praticamente sem comer. O fantasma da fome, volta a assombrá-la nessa pandemia.“Tudo ficou mais caro. O benefício não rende’’, diz a matriarca que recebe R$ 530 do Bolsa Família. Ela sente que com a pandemia passa muito mais fome que antes.
A casa onde ela mora é uma mistura de taipa com reboco precário. Ambientes escuros, sem conforto, sem aconchego. Castigada pela fome, ela não deixa de sonhar.
"O que eu sempre tive vontade de ter. um colchão bom, uma cama boa, um banheiro bom."
O vale do Jequitinhonha hoje também é conhecido pela cultura , o artesanato e as oportunidades que surgem com a indústria da mineração. Mas nossa viagem aos locais mais remotos do vale revela que a fome voltou com força. Dona Vera é só um exemplo desse drama. Mas a história dela simboliza muito do que está acontecendo aqui.
"A fome é não ter nada e fica dando aqueles trancos com vontade de comer, caçar alguma coisa e não achar. É isso", resume ela.
Pergunto se machuca. "No estômago."
Ela ainda me conta que o coração também sofre.
"Dói."