GRITARIA E SILÊNCIO NÃO É CONVERSA
Como os conflitos e a omissão prejudicam o espetáculo das arquibancadas
“Torcedor organizado não é santo” é uma das principais frases que a reportagem do R7 ouviu durante a apuração deste especial. As torcidas reconhecem seus erros e muitos líderes julgam acertadas algumas decisões tomadas pelo poder público. Há consciência de que pedaço de pau não atinge ninguém sozinho e de que armas não acertam o alvo sem alguém puxar o gatilho.
O que as torcidas pedem, no entanto, é que sejam punidos os criminosos, e não a instituição. “As pessoas têm que começar a entender que temos livre arbítrio de gostar de algo, e ser um torcedor organizado não é crime”, comenta André Azevedo, presidente da Anatorg (Associação Nacional das Torcidas Organizadas) e presidente de honra da Dragões da Real (São Paulo).
A generalização, para os torcedores, é um dos maiores vilões para a falta de diálogo com outros setores. Enquanto “todo” torcedor organizado for chamado de bandido, não há conversa. E o diálogo talvez seja hoje a opção mais racional para que as torcidas voltem às arquibancadas e façam a festa no estádio.
Além das torcidas, que não se toleram, há outros atores neste cenário que contribuem para a criminalização das organizada: o clube de futebol é um deles.
Em São Paulo, o diálogo entre organizada e time vive em uma eterna montanha-russa. Há momentos em que os clubes arcam com algumas despesas e incentivam a festa nas arquibancadas. Há momentos em que o clube usa a torcida como cão de guarda para pressionar jogadores, treinador e comissão técnica. Há reuniões a portas fechadas. E há situações, como a atual, em que os times evitam qualquer relação.
As organizadas — principalmente em clássicos — eram convocadas a comparecer ao Segundo Batalhão do Choque para uma conversa. A liderança era obrigada a revelar o horário de saída da sede, itinerário, número de torcedores e outros detalhes para evitar o confronto. O papo reunia a escolta policial, o Metrô, CET (Companhia de Engenharia de Trafego), CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), Prefeitura de São Paulo e outras instituições.
Reunião no 2º Batalhão do Choque antes do clássico Corinthians x Palmeiras, em 2010
Foto: Luiz Carlos Murauskas - Folhapress
Mas por que, mesmo com toda essa ação preventiva, há enfrentamento de torcidas?
“Você vai no Batalhão de Choque dez horas da manhã, eu cansei de ir, depois mandei um cara para ir lá, como figurante”, revela Marcelo Lima, presidente da TUP (Torcida Uniformizada do Palmeiras). Esta posição coadjuvante das organizadas diz muito sobre a falta de diálogo ou sobre a encenação de uma conversa.
Desde antes do terrível confronto de 1995 no Pacaembu entre palmeirenses e são-paulinos, já era comum ver reportagens mencionando os torcedores como marginais e outros adjetivos semelhantes. “Historicamente, torcidas e imprensa jogam de lados opostos”, explica o fotojornalista Gabriel Uchida, que trabalha há anos com organizadas dentro e fora do País.
No dia 6 de agosto de 2015, uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) foi instaurada para investigar e, de certa forma, ouvir as torcidas. Representantes das principais organizadas de São Paulo foram convocados em várias sessões, por nove meses, além de vereadores, torcedores e outros atores. O relatório final afirma que é preciso estabelecer “parcerias entre a administração pública e as torcidas organizadas, para a execução de projetos sociais e educacionais, com vistas ao exercício pleno da cidadania”, além de 18 providências que precisam ser tomadas para um diálogo saudável entre a arquibancada e a sociedade.
Entre essas medidas estão a “liberação do uso de bandeiras, instrumentos musicais e faixas por parte da torcida organizada, sem número limitado” e a “proibição que condenados pela Justiça, por crimes relacionados ou não ao futebol, sejam sócios das torcidas organizadas antes e durante o cumprimento da pena”.
O relatório final soa como uma luz no fim do túnel para as organizadas, mas assim que as reuniões acabaram, a descrença voltou. Ninguém, nem mesmo a liderança das organizadas, parece acreditar que as questões apontadas na CPI serão colocadas em prática.
Volta das festas
As bandeiras em mastros, fumaças, faixas, batuques entre outras coisas, que faziam parte da festa dos estádios até a metade da década de 1990, voltaram neste mês ao centro da discussão entre torcedores e autoridades paulistas.
Em publicações nas redes sociais e sites de algumas organizadas, torcedores mostraram animação para a possível volta da festa completa durante as partidas de futebol.
Desde 1995, depois da “Guerra do Pacaembu”, está proibido a entrada de bandeiras com mastros e fumaças nos estádios de São Paulo. No início do ano passado, a punição foi além, e as torcidas também foram proibidas de entrar nos estádios com faixas, bandeiras, bateria e qualquer tipo de material que levasse o nome da organizada.
Festa na torcida palmeirense no Estádio Moisés Lucarelli, em Campinas. A partida foi realizada pelo Campeonato Paulista de 2008
Foto: Antônio Gaudério - Folhapress
A expectativa para a volta das organizadas, no entanto, durou menos de uma semana. Representantes de torcidas se reuniram com o promotor Paulo Castilho e outras autoridades envolvidas no debate, na quarta-feira (29/3), e a decisão foi tomada: as torcidas organizadas continuam proibidas.
Em publicação no Facebook, o presidente da Independente, Henrique Gomes, o Baby, disse que os torcedores vão continuar tentando a legalização e volta das torcidas. “Não vamos abaixar a cabeça. Resistiremos, lutaremos pela festa e a paz nos estádios. Só assim teremos nosso lugar de direitos de volta”, afirmou.
Outra liderança de organizada que se posicionou nas redes sociais acerca da reunião que manteve as torcidas punidas foi Jerry Xavellier, da Gaviões da Fiel. O corintiano afirmou que a “desobediência [das torcidas] quanto às punições tem surtido efeito”.
Segundo Jerry, o fato de terem marcado uma reunião para discutir a volta das organizadas é uma prova que as manifestações e pedidos dos torcedores tem sido importante.
“Creio que o MP [Ministério Público] deve ter se desdobrado na articulação para manter as coisas como estão, por isso é importante que nossa luta continue até que o nosso objetivo seja alcançado”, disse o diretor da Gaviões.
Por que as diretorias dos times são omissas em relação às suas torcidas?
Não é necessário pensar muitas teorias para se chegar a uma relação sólida entre clubes de futebol e organizadas: não há torcida organizada sem um time. É preciso ter o que defender e o que exaltar nas arquibancadas. É preciso ter uma equipe em campo para incentivar.
A relação entre os times e suas torcidas, porém, é bem mais próxima do que os cânticos e bandeiras, ela esbarra em cobranças nos CTs (Centro de treinamentos), reuniões, patrocínios e vantagens com os ingressos.
Torcida Jovem dentro do CT do Santos
Foto: Jorge Araújo - Folhapress
Atualmente, os quatro principais clubes do estado de São Paulo (Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo) mantêm uma distância segura das organizadas e evita, inclusive, falar sobre o tema.
O R7 procurou as assessorias dos quatro grandes times de São Paulo e pediu entrevistas com diretores e porta-vozes sobre a relação que os clubes mantêm com suas torcidas organizadas. Todos se omitiram.
Em conversa com a assessoria do Corinthians, tivemos a resposta de que o clube não tem qualquer relação e que dificilmente se pronunciará sobre o assunto. As assessorias de Palmeiras, São Paulo e Santos foram mais políticas, mas também não deram resposta alguma.
A negação às torcidas é uma peneira pequena tapando um sol escaldante. Mesmo que os clubes neguem suas relações, eles são a razão de existência das torcidas. Além disso, os desvios de conduta de suas organizadas refletem diretamente nos times. Se um copo, um chinelo, um isqueiro, uma pedra ou um cuspe for arremessado no gramado, e o juiz relatar na súmula, o time será punido com multa, perda no mando da partida e até jogo com portões fechados (um dos cenários mais melancólicas do futebol).
Um exemplo deste inevitável contato pôde ser visto no clássico entre Santos X Palmeiras no domingo (19), na Vila Belmiro, em Santos. Depois da derrota do time da casa, torcedores — não necessariamente organizados — atiraram um copo e um isqueiro no gramado. Na segunda-feira (20) a diretoria santista acordou com a possibilidade de perda do mando de jogo.
Fatos como esse são rotina entre os clubes brasileiros, e o silêncio das diretorias dos clubes de São Paulo diz muito mais do que as palavras.
A conversa com a PM
A reportagem do R7 pediu à SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo) uma entrevista com algum representante do 2º Batalhão do Choque, especializado no policiamento em dias de jogos e em eventos de grande proporção.
A proposta da entrevista seria mostrar o ponto de vista da Polícia Militar sobre a postura das torcidas, como é a relação do comando policial com as lideranças das organizadas e quais eram as vantagens e desvantagens do policiamento em dias de jogos.
Membro da Torcida Jovem encara policial militar na arquibancada do Estádio do Pacaembu, em 2009
Foto: Zanone Fraissat - Folhapress
Em vez de um porta-voz, a SSP enviou apenas uma nota sem responder nenhuma das dúvidas. Segue:
“A Polícia Militar informa que o Segundo Batalhão de Polícia de Choque, especializado no policiamento em eventos de grande público, bem como espetáculos esportivos, realiza a escolta de torcidas organizadas com objetivo de garantir a segurança e a preservação da integridade física dessas torcidas, do ponto de concentração até o local da realização do evento. Tem direito a esse tipo de escolta as torcidas que a solicitarem, inclusive a visitante”.
“EU ROMPI O DIÁLOGO COM AS TORCIDAS A PARTIR DO MOMENTO EM QUE ELES QUISEREM AFRONTAR O ESTADO”
Entrevista com o promotor de Justiça do Estado de São Paulo Paulo Castilho
O promotor de Justiça Paulo Castilho em coletiva de imprensa sobre torcidas organizadas, no Fórum Criminal da Barra Funda
Foto: Rovena Rosa - Agência Brasil
Ele é uma das pessoas com o discurso mais severos em relação a torcidas organizadas. Paulo Castilho não mede as palavras para falar sobre os crimes e desvios de condutas apresentados pelos torcedores, mas é direto ao dizer que não é um inimigo das arquibancadas. “Eu não sou inimigo e não sou contra a torcida organizada, eu sou contra a maneira, o modelo que eles adotaram”, comenta.
Designado pelo Procurador Geral de Justiça para combater a violência no futebol desde 2007, Castilho é membro da Comissão de Estudos Jurídicos do Ministério do Esporte, participou da elaboração do novo Código Brasileiro de Justiça Desportiva, integra a comissão de combate à violência no futebol, do CNPG (Conselho Nacional de Procuradores Gerais), é o idealizador da delegacia especializada no combate à violência no futebol, entre outras questões relacionadas aos estádios.
Em entrevista ao R7, o promotor aprofundou o seu ponto de vista sobre as torcidas organizadas, falou sobre as medidas restritivas, torcida única, o trabalho de investigação e muito mais:
R7: Na sua opinião, qual a importância das torcidas organizadas para o espetáculo do futebol?
Paulo Castilho: Hoje?
Sim.
Nos moldes que ela se comporta, para mim, ela não acrescenta nada no espetáculo. Por quê? Porque hoje ela tem símbolo de incentivo à violência, cântico de instigação à violência, cultiva o ódio, cultiva a intolerância e cultiva a violência desde que ela sai da sede. Ela sai ofendendo as pessoas, depredando os lugares por onde passa, saqueando os estabelecimentos onde param, necessitam uma escolta e vão para o confronto. No estádio eles dominam o espaço. Quem é torcedor comum eles agridem, passam por cima e não respeitam ninguém. Então, nesses moldes, eu acho que torcida organizada não acrescenta nada. A torcida organizada, no modelo que existe hoje, ela sucumbiu, ela não tem mais espaço para se projetar pela maneira como ela se comporta. Ela tem que se reinventar de uma maneira civilizada, de uma maneira pacífica, de uma maneira educada.
Você costuma frequentar estádios para torcer?
Desde criança frequentei estádio, hoje minha condição não permite mais.
Que lembranças você tem das arquibancadas?
Dentro do estádio de futebol sempre teve aquela brincadeira, um zoando com o outro pelo resultado, sempre teve esse problema de torcidas rivais, mas havia um limite de respeito, educação. Até tinha uma confusãozinha entre dois torcedores, mas já era resolvido o assunto.
Qual o seu time do coração, você revela isso?
XV de Piracicaba (em tom irônico e aos risos).
Como é seu diálogo com as torcidas organizadas hoje?
Eu rompi o diálogo com as torcidas a partir do momento em que eles quiseram afrontar o Estado. Antes de romper, eu me reuni com os presidentes e disse a eles que estavam no rumo errado e que, se eles continuassem marchando neste sentido, a tendência era que eles seriam expurgados pelo Estado e por toda a sociedade. Eu os alertei, portanto me considero um cara sério, honesto e leal. Eu não fiz nada que eles não soubessem e não agi de maneira desleal.
Mas antes desse rompimento, como era a sua conversa com as torcidas?
Era muito diferente. Eu já dialoguei, convivi e conversei dez anos com torcida organizada, sempre acreditando que eles pudessem se conscientizar. E sempre escutei o discurso. Quer que eu fale o que eles vão falar para você? Eles vão dizer que são bonzinhos, que doam sangue, que fazem ação de caridade, que não é função deles retirar da torcida os torcedores violentos, que eles não sabem quem se envolve nisso, que é função do Estado, toda essa conversa eu já escutei bastante, conheço de cor e salteado.
Você se considera um inimigo das torcidas organizadas?
Muito pelo contrário. Eu não sou inimigo e não sou contra a torcida organizada, eu sou contra a maneira, o modelo que eles adotaram. A torcida organizada hoje se tornou um negócio financeiro, onde eles não estão respeitando ninguém, absolutamente ninguém. Querem intimidar jogador, intimidar dirigente de clube, intimidar a imprensa, afrontam a polícia. Esse modelo eu não posso, como promotor de justiça, fiscal da lei e defensor da sociedade, aprovar. Por isso que nós implementamos essa série de medidas no transcorrer deste ano. Agora cabe a eles porem a mão na consciência e entenderem que a sociedade não os quer desse jeito. Não é porque eles têm o nome de torcida organizada que são torcida organizada, eles não se comportam como tal. Eu posso falar que sou padre e não rezar a missa.
Por que ainda se trata as organizadas de forma generalista? Não é possível punir as pessoas que cometem os crimes?
Eu não te falei antes de você fazer as perguntas que eles iam falar isso? Iam falar que não se deve punir a instituição e que cabe ao Estado identificar quem cometeu o crime. Nesse modelo de torcida, as pessoas violentas tomam o comando da torcida. Você sabia que eles batem em mulher igual batem em homem dentro da torcida? Você não sabia disso, sabia? Eles não falaram isso para você. Eles se impõem pela violência, e aí todos os que querem ser adeptos, que admiram, que querem estar na torcida, seguem a liderança, e a liderança sendo feita pelos mais fortes, que é a lei do mais forte que existe dentro da torcida organizada hoje, eles são obrigados a se comportar assim. Tanto que, se numa emboscada ou num encontro tiver três ônibus e alguém não descer para brigar, essa pessoa sofre represália, apanha dentro da torcida. Não é questão de você tirar meia dúzia, é uma questão do comportamento da torcida.
Como que essa punição à instituição inibe a violência?
Aí tem um conjunto de medidas, o assunto é muito complexo. Primeiro que não tem punição só às organizadas. Em um ano, foram cumpridos mais de 87 mandados de prisão e mais de 120 mandados de busca e apreensão, de escuta telefônica, de medidas cautelares, mais de 400 torcedores foram afastados dos estádios de futebol e/ou presos. A liderança do São Paulo (Torcida Independente e Dragões da Real) foi indiciada, denunciada e afastada, a liderança da Gaviões também. Outros líderes da Torcida Jovem e da Mancha [Verde] também. Não é só a torcida que está sendo punida. Essa informação tem que ser bem detalhada. Há uma série de medidas, que junto com autuações fiscais e multas, asfixiou a torcida organizada, tanto que eles perderam dinheiro. Uma das medidas que os prejudicou financeiramente foi a torcida única, porque em dia de clássico, ele deixa de organizar caravana, deixa de vender material, deixa de vender camisa ou boné e com isso arrecada muito menos. É lógico que você tem o imponderável. Em uma cidade com 15 milhões de pessoas, se meia dúzia ou cem quiserem criar uma confusão, há inúmeros pontos na cidade em que pode ter esse confronto, mas o histórico tem mostrado uma violência decrescente, tanto que sábado (10) tivemos um Palmeiras X São Paulo, 37 mil pessoas, e não houve novidades, foi tranquilo, zero ocorrências, no entorno também estava muito tranquilo.
Como é feito o trabalho para chegar aos envolvidos em brigas e não acontecerem erros como o de emitir um mandado para um torcedor que morava na Austrália, por exemplo?
É feito todo um trabalho de inteligência, de denúncia, de investigação, oitiva de vítimas, testemunhas presenciais, perícias, e a Polícia Civil fica à frente dessas investigações.
Como é feito o monitoramento dos torcedores que não podem assistir aos jogos de futebol?
Eles têm que comparecer ao Corpo de Bombeiros ou a um lugar especificado pelo juiz duas horas antes do jogo e sair duas horas depois. Se ele não comparecer, o juiz é imediatamente comunicado e ele pode revogar o benefício, decretar a prisão ou o processo prosseguir.
A tornozeleira eletrônica poderia ajudar neste sentido?
Poderia ajudar, porque você controlaria onde ele está. Seria um bom instrumento.
Qual foi a última briga entre torcidas dentro de um estádio paulista?
Aí você precisa levantar, porque de cabeça eu sinceramente não sei. O problema da violência nunca foi muito dentro do estádio de futebol, você tem que ver as violências relacionadas ao evento esportivo.
Como prevenir os confrontos fora dos estádios?
A gente monitora as redes sociais, tem informações e faz um acompanhamento, além do aumento na punição dos envolvidos, que foi o que foi feito no último ano. E eu digo pra você que reduziu os confrontos em 75%, que eu acho que é um número bem expressivo.
Tem um marco nas brigas entre torcidas que é a de 1995 entre Palmeiras e São Paulo, no Pacaembu. Você acredita que as torcidas ainda sofrem as consequências daquele conflito?
Não, não. A verdade é a seguinte. Eles precisam se conscientizar de que eles têm que ir ao estádio de futebol de maneira civilizada, que eles têm que respeitar os demais torcedores, que eles têm que se portar de uma maneira educada. Você vê hoje no Allianz Parque, na hora do jogo, integrantes da Mancha e das torcidas organizadas não fazem silêncio quando canta o Hino Nacional, isso é uma prova de desrespeito, de falta de educação. Eles têm que se portar como gente educada e civilizada na sociedade. Eu não sou contra eles, até acho que eles têm que buscar uma medida, uma proposta onde eles provem que são pessoas que sabem se comportar civilizadamente. Falar, qualquer um fala, eles têm que mostrar com atitude.
O que mudou nas torcidas desde a briga de 1995 para cá?
Eu acho que a torcida ganhou um status, um poder pela violência, acho que se tornou um negócio altamente lucrativo, ela começou a movimentar muito dinheiro, os clubes fomentaram as torcidas. Não é porque o presidente quer dar ingresso pra torcida, não. É porque ele é ameaçado e tem medo da torcida. Eles ganharam, com essa modernização, um papel importante no meio em que eles convivem pelo poder, pelo dinheiro, pelo status. Com essas medidas restritivas às organizadas, aumentou o público, a renda, criança e mulher no estádio. Você sabia que aumentou 11% de mulher e criança dentro do estádio? Que aumentou 20% a média de público com torcida única? Que economiza 150 policiais por jogo? Que as ocorrências diminuíram em 75%? É tudo isso que se tem que levar em conta. A gente acha bonito duas torcidas? Acha, mas é melhor você ter uma torcida que não vai lá para brigar do que ter duas que brigam. Como elas cultivam a intolerância, o ódio e a violência, se você colocar as duas turmas no mesmo ambiente vira um lugar hostil e propício para o confronto. Na hora que você tira uma, a torcida da casa não tem com quem brigar. Aí ela se comporta civilizadamente. Agora, se eles foram para o estádio para torcer, ter cânticos, abrir a bandeira, fazer festa, perfeito. Mas eles têm que ter responsabilidade.
Aqui em São Paulo os mastros de bandeiras estão proibidos há 22 anos...
Você sabe que eu fui na Assembleia e consegui revogar a lei? Eles não contaram isso para você. Isso aconteceu numa quarta à noite, e no sábado eles brigaram e mataram um menino, acho que foi do Corinthians ou do Palmeiras, no rio.
Em que ano foi isso?
2011. Eu fui lá e ajudei a aprovar essa lei para liberar isso aí. O governador (depois do assassinato) obviamente vetou, mas aprovei quase que por unanimidade na assembleia. Eles estavam lá, pergunta para eles se é mentira. Eu fiz isso acreditando no ser humano, acreditando que eles são capazes. E tem um fenômeno aí que ninguém menciona. Eles, individualmente, a grande maioria são bons, são tranquilos, mas quando se juntam em bando se tornam altamente violentos.
Mas mesmo em bando não é um equívoco o crime de uma pessoa ser pertencer a algo?
Não podemos dizer, por exemplo, que todo torcedor é bandido nem que todo político é ladrão.
Mas de maneira alguma eu falei isso.
Mas a opinião pública acaba tendo essa visão sobre as torcidas.
Por quê? Porque quando eles estão em algum lugar, eles se comportam como tal, toda caravana deles, eles param no posto de gasolina e saqueiam a loja. Não dá para você falar que não foram aqueles 200. Foram 80, mas os que não saquearam endossaram e não reprimiram, não se afastaram da torcida.
E o que mantém as torcidas organizadas fora dos estádios?
Aí é uma questão de segurança. Medidas restritivas você tem todos os dias. Por exemplo, se um presidente da república for a um determinado local, fecham a rua, impedem a passagem, tem detector de metal. São questões de segurança pública, e algumas decisões judiciais, como a do juiz do Rio de Janeiro Marcelo Rubiolli, que decidiu que as torcidas organizadas do Corinthians estão proibidas de se manifestar em qualquer lugar do Brasil. Eles não podem ir em nenhum local que tenha evento esportivo com faixa, bandeira, com nada, sob pena de multa diária, acho que de R$ 20 mil. Eles estão colhendo o que plantaram.
Há alguma perspectiva para o fim da torcida única?
Naquele modelo antigo não. Eles têm que pensar, se estruturarem, ter algum projeto, proposta, algo que comprove que eles estão do lado do bem.
Uma das questões que sempre ouvimos é da relação das torcidas com o crime organizado. Há alguma prova concreta a respeito disso?
O que temos são pessoas ligadas ao crime organizado que integram torcidas organizadas. Dentro de milhares de pessoas, tem pessoas que são ligadas ao crime organizado. Eu não tenho nenhuma prova e não acredito que a torcida organizada seja o foco do crime organizado. Pelo contrário, eu acho que eles não têm interesse, porque a torcida atrai a mídia negativa, atrai muito a imprensa, a população, tem muita gente contra eles.
Leia entrevista completaFechar
RESPEITO SEM CLUBISMO
Quem é o jornalista respeitado pelas torcidas organizadas?