ESPECIAL R7   A DESIGUALDADE DA PREVIDÊNCIA
A desigualdade da Previdência
Para especialistas, reforma é urgente e precisa começar
pela idade mínima.


Reportagem
Arte
Mariana Londres
Danilo Lataro

A APOSENTADORIA NO BRASIL

Há dois regimes de aposentadoria no Brasil, bem diferentes. Um para trabalhadores do setor privado e outro para funcionários públicos. Além disso as regras de contribuição e para receber benefícios são diferentes entre homens e mulheres, trabalhadores urbanos e rurais e há ainda regras especiais para professores e políticos.

Pelos números você vai ver que se não fossem pelas aposentadorias rurais, o INSS (previdência do setor privado) não teria déficit. Verá ainda que enquanto na previdência dos servidores públicos e militares há pouco mais de 3,5 milhões de aposentados, na previdência do setor privado (funcionários de empresas, domésticos e autônomos) são 26,1 milhões de brasileiros (sendo 18,6 milhões de aposentados e 7,5 milhões que recebem outros benefícios como pensões por morte ou auxílio-doença). Mas o rombo do setor público é quase igual ao rombo do privado porque há pouca contribuição e o valor dos benefícios é alto. Ou seja, quem mais contribui para o sistema são os trabalhadores de empresas privadas e as empresas do setor privado (alíquota de 20% sobre os salários). E são os trabalhadores de empresa privada que têm aposentadorias de menor valor, quase sete vezes menores do que os servidores públicos.

Veja as diferenças nas aposentadorias:
    Trabalhador privado   Trabalhador público e militares
Regime RGPS - Regime Geral da Previdência Social (INSS) RPPS - Regime Próprio da Previdência Social*
Número de trabalhadores que contribuem 54,7 milhões 6,2 milhões
Número de trabalhadores que recebem benefício 26,1 milhões 3,5 milhões
Déficit R$ 86 bilhões R$ 132 bilhões
Total pago em benefícios R$ 454 bilhões (7,6% do PIB) R$ 254 bilhões (4,25% do PIB)
Média das pensões e aposentadorias R$ 1.123,16 R$ 7.501,79
Aposentadoria De R$ 880 a R$ 5.189,82 (mesmo que salário na ativa seja superior) Salário integral da ativa
Contribuição De 8% a 11% (dependendo do salário) limitado ao salário do teto 11% sobre o salário total
Contribuição quando aposentado Não há 11% para servidores e 7,5% para militares + 1,5% por filha

Fontes: Ministério da Previdência, Tesouro Nacional, Ministério do Planejamento, dados de 2015.
* Servidores públicos que começaram a trabalhar em 2013 passaram a contribuir para o regime geral e para um fundo de previdência complementar (Funpresp).

    Homens   Mulheres
Tempo de contribuição para aposentadoria 35 anos 30 anos
Idade de aposentadoria 65 anos ou menos pela regra 95/85 que tende a acabar com a reforma, ou com incidência do fator, que reduz valores 60 anos ou menos pela regra 95/85 que tende a acabar com a reforma, ou com incidência do fator, que reduz valores
Expectativa de vida (2015) 71,6 anos. Ao se aposentar por idade receberá 6,6 anos de aposentadoria 78,8 anos. Ao se aposentar por idade receberá 18,8 anos de aposentadoria, o triplo dos homens
No serviço público o tempo de contribuição É 35 anos e há idade mínima de 60 anos É 30 anos e há idade mínima de 55 anos

    Trabalhador urbano   Trabalhador rural
Idade de aposentadoria 65 anos para homens e 60 para mulheres (ou menos pela regra 95/85 que tende a acabar com a reforma, ou com incidência do fator, que reduz valores) 60 anos para homens e 55 para mulheres, independente das contribuições (ou seja mesmo que nunca tenham contribuído, podem se aposentar)
Arrecadação com contribuições R$ 343,2 bilhões R$ 7,1 bilhões
Gastos com benefícios R$ 338 bilhões R$ 98 bilhões
Superávit ou déficit Superávit de R$ 5,1 bilhões Déficit de R$ 91 bilhões

Fontes: Dataprev, dados de 2015


Regras especiais
    Professores   Políticos
Tempo de contribuição para aposentadoria Professores em tempo integral de Educação infantil e ensinos Fundamental e Médio podem se aposentar com cinco anos menos de contribuição: 25 para mulheres e 30 para homens Até 1997 deputados e senadores se aposentavam após oito anos de contribuição e 50 de idade (não era integral, no entanto)

As regras mudaram em 1997 e eles recebem salário integral com 35 anos de contribuição e 60 anos de idade para concessão de aposentadoria, sem fazer distinção entre homens e mulheres

O parlamentar não pode acumular aposentadorias, independentemente de ter contribuído para o serviço público ou para o privado (INSS)

PROFESSOR WASHINGTON BARBOSA
Coordenador dos cursos de Direito do Ibmec/DF

"A reforma é urgente e tem tudo para ser feita agora, já que estamos com um governo que vai ficar só dois anos e meio. Mas é importante que todo e qualquer benefício tem que ser contributivo. Minha posição e na Constituição que diz que é um sistema contributivo. Há muitas pensões e aposentadorias (como a rural) que não são contributivas."


Principais problemas   Soluções
Aposentadoria por tempo de contribuição.
Motivo: possibilita que brasileiros se aposentem mais cedo do que a média mundial, aos 54 anos, o que no longo prazo causa desequilíbrio já que o sistema precisa pagar salários por um longo tempo para que não contribui mais
Acabar com a aposentadoria por tempo de contribuição (incluindo fórmula 95/85) e adotar apenas uma idade mínima para aposentadoria
Sistema não contributivo.
Motivo: por englobar além do INSS, o sistema de Saúde e Seguridade Social, muitos brasileiros recebem benefícios sem nunca ter contribuído. Quem paga a conta são os trabalhadores que contribuem. Com isso o déficit aumenta
Tirar os benefícios não contributivos da previdência, de forma que sejam pagos com orçamento próprio do governo federal. Exemplo, aposentadorias rurais, LOAS
Regras diferentes para homens e mulheres.
Motivo: mulheres têm expectativa de vida maior que os homens e contribuem por menos tempo. No longo prazo isso gera déficit
Igualar as regras entre homens e mulheres, ou seja, estabelecer idade mínima igual para ambos
Regras diferentes entre trabalhadores urbanos e rurais.
Motivo: o trabalhador rural pode se aposentar sem nunca ter contribuído, por isso o déficit da previdência do trabalhador urbano é de 90 bilhões. Já a previdência do trabalhador urbano estaria no azul se não fossem os benefícios ao trabalhador urbano
Igualar regras entre trabalhadores urbanos e rurais e criar auxílios específicos (programas assistenciais) fora do INSS, com orçamento próprio
Regras diferentes entre servidores públicos e privados.
Motivo: os dois regimes separados geram um abismo entre as aposentadorias. O déficit do sistema público é quase metade do privado e o número de aposentados é 30 vezes menor
Igualar as regras. Parte já resolvido com a criação do Funpresp em 2012. Novos servidores entraram para o Regime Geral e têm as mesmas regras do setor privado. Mas alguns benefícios, com aposentadorias para filhas solteiras de militares precisam acabar porque não fazem sentido
Regras diferentes para professores.
Motivo: Professores podem se aposentar com cinco anos menos, o que gera déficit no longo prazo, já que uma professora pode se aposentar com cerca de 50 anos, por exemplo
Igualar as regras para todos. Acabar com regras diferentes para professores
Regras diferentes para políticos.
Motivo: Já são classe privilegiada, deveriam entrar no sistema geral contributivo
Igualar as regras para todos.
Acabar com regras diferentes para políticos
Regras diferentes para militares.
Motivo: Sistema é altamente deficitário porque há mais aposentados e pensionistas do que contribuintes
Igualar as regras para todos.
Militares se aposentam mais cedo e com salários maiores. Além disso há regras absurdas como pensões para filhas solteiras
Pensões assistenciais como LOAS.
Assistência ao deficiente e ao idoso, de natureza não contributiva. Se a renda per capita familiar for menor do que um salário mínimo, é pago um salário mínimo até o fim da vida
Tirar LOAS do sistema previdenciário.
Programa é importante, mas deveria ter orçamento próprio

RENATO FRAGELLI
Professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (EPGE-FGV)

"Mexer na aposentadoria é uma tarefa inevitável e incrivelmente espinhosa em todos os países. A experiência política mostra que se tentar reformar tudo de uma vez não passa. A estratégia deveria ser primeiro enfrentar o INSS, impondo idade mínima. Depois fazer outras reformas com aposentadoria rural e servidores públicos. Pelo que sabemos do governo a reforma da previdência do servidor não está em discussão, nem a previdência complementar privada."

"O rombo da previdência mostra outros problemas, como a informalidade. É preciso fazer uma reforma que dê mais segurança para as empresa. Hoje apenas 40% dos trabalhadores brasileiros são formais, o que significa que 60% não contribuem necessariamente com a previdência e podem vir a ter benefícios."

"O déficit do INSS é explosivo. A expectativa de vida entre 2000 e 2010 cresceu 2,5 anos, em função da melhoria da medicina e da qualidade de vida. Isso significa que temos um aumento da expectativa de 1 trimestre por ano. A conta já não fecha e não vai fechar."


Principais problemas   Soluções
Aposentadoria por tempo de contribuição.
Motivo: quem se aposenta no Brasil por tempo de contribuição é o brasileiro mais qualificado, que trabalha a vida toda com carteira assinada. Com isso ele tem um ‘privilégio’ de se aposentar muito antes do que em outros países
Adotar uma idade mínima para aposentadoria.
Preferencialmente 65 anos para homens e mulheres. Não é possível se aposentar com 54 anos de idade, que é a média no Brasil
Mulheres se aposentam mais cedo.
Motivo: a expectativa de vida do brasileiro hoje é de 75 anos, sendo 78 anos para mulheres e 72 anos para homens
Igualar regras para homens e mulheres.
Se a mulher viverá mais, porque ela se aposenta mais cedo?
Aposentadoria para professores da rede básica.
Motivo: professores do ensino fundamental têm direito de se aposentar com 25 anos contribuição (mulheres) 30 anos (homens)
Igualar regras de professores às outras categorias.
Uma professora que se aposenta aos 45 vai viver mais quase 40 anos. Quem vai pagar a conta?
Aposentadoria diferenciada para trabalhadores rurais.
Motivo: sistema com aposentadorias cinco anos antes gera distorções. Como o trabalhador que faz a vida profissional nas cidades e vai para o campo e no final consegue se aposentar como se tivesse trabalhado a vida no campo, cinco anos antes
Mudanças.
Defende mudança nas aposentadorias rurais, até porque não existe diferença entre expectativa de vida. Não defende que os pagamentos rurais sejam tirados da conta do INSS. Defende contribuição menor para os rurais e estímulo à formalização
Aposentadoria diferenciada servidores públicos e militares.
Motivo: o sistema atual assegura uma série de benefícios que não são viáveis. O servidor ou militar tem uma segurança que ninguém mais tem e tem a aposentadoria integral
Reforma na previdência do servidor.
Não acredita que dê para fazer todas as reformas de uma vez. Já houve mudança, na aposentadoria do servidor público mas é preciso ampliar
Pensões indevidas.
Já houve mudanças, mas as regras ainda são perdulárias. Não pode haver pensão integral de viúva ou filho, por exemplo. Teria que ser fração
Acabar com pensões integrais e criar mais mecanismos para evitar fraudes

JOSÉ ROBERTO FERREIRA SAVOIA
Administrador de empresas, professor associado da USP e especialista em previdência

"A reforma é urgente, mas precisa ser feita em partes. Não vejo possibilidade de se criar um sistema único com regras iguais para todos. Na primeira etapa não vejo possibilidade de convergência, você precisa ter regras de acesso (tempo de contribuição, idades, alíquotas) você consegue até criar um grande sistema para todos. Mas não pode fazer isso quando condições são diferentes."

"Primeira etapa seria corrigir as jabuticabas [tudo que tem no Brasil que é muito diferente do resto do mundo]. Depois acredito que teremos uma integração. Temos que colocar a máxima de que previdência tem que atenuar algumas disparidades sociais. Mas não é instrumento para fazer reforma social."


Principais problemas   Soluções
Aposentadoria precoce.
No Brasil pessoas se aposentam relativamente jovens em relação a outros países. Média de 54 anos, nos restantes média é de 65
Estabelecimento de uma idade mínima
Aposentadoria pública com salário integral.
Carregamos o custo de sistema público que tem paridade com último salário e integralidade. Servidores continuam se aposentando com nível de benefício alto, até 8 vezes do pago no INSS
Equacionamento do sistema do servidor público, dentro da meta fiscal. A ideia é manter reajuste dos salários e benefícios pela inflação e não real como ocorreu nos últimos anos

Aumento salário mínimo aumenta rombo.
Elevamos nos últimos anos o salário mínimo que é referência do piso. Valorização foi de mais de 70% nos últimos 15 anos, do que se fosse só pela inflação. Socialmente é justo mas o crescimento onera as contas públicas

Problema de solução lenta.
Salário mínimo é problema de solução mais lenta porque usamos fórmula, vamos enfrentar uma situação perversa até 2019, que é data até quando fórmula de valorização está mantida
Excesso de pagamento pensões por invalidez e afastamentos.
Temos uma indústria para obter benefícios, que aumenta o pagamento sob essa rubrica. Pagamos 3 vezes do que em outros países. Há pessoas obtendo privilégios não devidos
Reavaliação dos afastamentos dos benefícios por invalidez, a exemplo de experiência piloto que está sendo feita em Jundiaí (SP)
Previdência oficial depende de empregos formais.
São empregados formais e empresas que contribuem para o sistema. Quando temos profissionais informais deixamos de arrecadar quase 25% do que poderia ser arrecadado. Em países desenvolvidos há contribuição de 80% no Brasil no máximo 60%, uma perda alta de contribuições
Formalização do emprego ou benefícios mais contributivos.
Se as pessoas não estão contribuindo é porque estão desempregadas ou porque não querem recolher. E depois essa conta chega porque elas vão requer um benefício
Previdência do trabalhador rural é deficitária.
Há alto número de pensões e benefícios e pouco de contribuições. Um dos motivos é a baixa formalização no campo
Formalização. Não há hoje solução drástica. Vamos nos encaminhar para uma formalização maior do trabalhador rural, contribuições efetivas dos grandes grupos, mas o pequeno produtor não vai se ajustar tão cedo
Sistema desigual, diferença entre servidores públicos e privados.
Nos EUA, funcionários públicos e privados têm previdência parecida, mas há de 1.100 regras para resolver questões específicas
Pequenas reformas para acabar com disparidades.
Nos Estados Unidos, um casal que se aposenta e permanece casado recebe menos do que quem ficou sozinho. Esse tipo de cuidado precisa ocorrer no Brasil para que haja maior equidade. Depois de fazermos macro reformas vamos ter que fazer micro reformas
Não há previdência complementar obrigatório no Brasil.
Com isso, o rombo do sistema aumenta. Incentivar a previdência complementar é bastante salutar
Criar previdência complementar obrigatória Hoje estamos deixando a opção do privado para os instrumentos de mercado. Em alguns países há previdência complementar obrigatória. O restante da América Latina tem previdência complementar obrigatória

PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A PREVIDÊNCIA NO BRASIL E A REFORMA
A previdência no Brasil é deficitária?
Verdade, mas em parte. Se fosse considerada só a previdência de trabalhadores de empresas privadas urbanos, o sistema seria superavitário. Mas como o sistema engloba trabalhadores rurais e pensões, ele é deficitário (R$ 80 bilhões em 2015). Além disso há o sistema do servidor público, que é altamente deficitário e consome recursos do Tesouro e dos Estados e municípios.

Se não for feita uma reforma, o sistema pode entrar em colapso?
Verdade. De acordo com especialistas, se não houver mudanças em todos os sistemas, não haverá dinheiro para aposentadorias e pensões num futuro próximo.

A reforma que está em estudo no governo deve acabar com as diferenças do sistema, como entre servidores públicos e empregados de empresas privadas e autônomos?
O governo ainda não deu detalhes da reforma, mas sinalizou que por enquanto só deve mudar a aposentadoria dos trabalhadores de empresas privadas, que são mais de 52 milhões na ativa e 36 milhões de aposentados. Mas criar um sistema único de aposentadorias não está descartado.

O governo deve propor a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres?
Deve. Há consenso entre especialistas que a falta da idade mínima cria um sistema deficitário, já que é preciso pagar benefícios por muitas décadas para grande parte dos beneficiários. Também concordam que é preciso igualar regras entre homens e mulheres, já que elas vivem mais tempo e se aposentam antes.